Libertem o Galamba. Com excepção de quem olha para o estado do país como uma série da Netflix, ou de quem está muito interessado no fratricídio em massa e em marcha no PS, ninguém, verdadeiramente, quer saber do Galamba para nada. E, para lá disso, Galamba não interessa para nada. Não que Galamba não seja importante - é-o por várias razões, sobretudo por ser "filho" de uma história de decadência da política nacional e um actor relativamente relevante da guerra em curso no interior do PS -, mas Galamba não é nem o princípio nem o fim dos problemas do país. O Galamba é um problema, mas não é o problema.
Para o que interessa aos portugueses, Galamba não vai gerir o dossier da TAP, não vai decidir o novo aeroporto, não vai resolver qualquer questão relevante em matéria de infraestruturas. É até provável que some problemas aos problemas. Tudo o que for importante, se for decidido, será decidido pelo homem que o escolheu, que o segurou e que, a uma distância que julga de segurança, o vê arder na fogueira em que está transformado o nosso espaço público: António Costa.
O problema não é, portanto, Galamba, o problema é António Costa. Porque António Costa, tão elogiado pela sagacidade e ardil, tem um único mote: o interesse particular do exercício do poder. E isto raramente se cruza com o interesse público. E isso tem a ver com a natureza das "decisões" que toma. E que não toma.
Falava de fogueiras em que Costa sacrifica peões para se proteger. Há dois anos, António Costa dizia no Parlamento: "tenho um excelente Ministro da Administração Interna". Estava a falar de Eduardo Cabrita. A história que se seguiu é conhecida. Antes deste, Azeredo e Constança; depois deste, Temido e Pedro Nuno. Ainda se lembram do episódio de desautorização mútua a propósito do futuro aeroporto? Agora é Galamba. Poupo-me e poupo-vos ao rol de Secretários de Estado caídos pelo caminho, onde pontifica o Alves de Caminha, o do pavilhão multiusos invisível, chamado para fazer a "coordenação política" do Governo. Uma excelente metáfora.
António Costa não é um líder. António Costa não é um chefe. António Costa é uma espécie de chef: gosta de os levar a todos ao lume. Enquanto são eles, não é ele. No buzz mediático de um país de fraca tradição democrática e inexistente cultura de responsabilização, enquanto olhamos para a fogueira, o fogueiro tenta passar despercebido.
Mas é ele o fogueiro. António Costa é o fogueiro da degradação da democracia, do estrangulamento das condições de vida dos portugueses, da deterioração do debate público, do definhamento da expectativa num futuro melhor. Pergunto o que, neste espaço, já perguntei vezes sem conta: qual é o desígnio nacional, o que é que mobiliza o país? Acrescento: em oito anos de exercício de poder, que obra deixa este homem a Portugal? Por aí, nas caixas de comentários das redes sociais, sobrar-me-ão insultos e os que, indignados com o que digo, ainda esboçarem uma resposta, dirão, por esta ordem, que a culpa é do Passos, que a culpa é da pandemia, que a culpa é da guerra, que Cavaco é uma múmia, que a direita é fascista e que andamos todos de mãos dadas com o Ventura. Neste argumentário estafado e mentiroso se encerrará a cartilha dos dependentes. O epitáfio é triste e pouco inspirado, mas é um epitáfio.
E se dúvidas ainda persistirem, o que nestes dias funestos se jogou à vista de todos na CPI à TAP - objecto de uma negociata inédita e altamente lesiva do interesse público - mostrá-lo-á, no registo das actas e nas imagens de arquivo, para a posteridade.
Sobre as galambadas, o Presidente Marcelo disse tudo. Sobre as costices o Presidente Cavaco também. Mas faço notar o óbvio: garotices à parte - parafraseio António Barreto -, a utilização mal explicada do SIS é mais um grave ataque ao regular funcionamento das instituições. E se o primeiro-ministro nunca assume responsabilidades políticas de coisa nenhuma, pelo menos que responda pelo desempenho dos serviços que directamente tutela. Fizeram bem os partidos que o "chamaram" à CPI.
Ainda a este propósito, na Quinta-feira tivemos dois contrastes esclarecedores. O primeiro, entre os dois topos da mesa da CPI: de um lado, o cavalheirismo, a serenidade e o gosto pela verdade de Lacerda Sales; do outro, a arruaça, a agitação e o vício pela mentira de João Galamba. O segundo, entre o que ali se passava para pasmo de quem assistia, e António Costa, em Coimbra, divertido, a assistir ao concerto dos Coldplay.
Disse dois contrastes? Eis o número de partes em que o país se dividiu: os que foram a Coimbra ouvir o “Fix You” num concerto; e os que ficaram em casa a ver em directo a CPI, certos de que isto não tem qualquer conserto.
Sintetizo e concluo: Costa amarrou-se a Galamba. Não para o proteger a ele, mas para se proteger a si. Libertar Galamba não é, pois, poupar Galamba, libertar Galamba é expor António Costa à sua máxima responsabilidade, à sua total responsabilidade. Só, sem desculpas, sem expiatórios. A culpa de Costa tem que ser exposta em toda a sua tenebrosa dimensão aos olhos dos portugueses. Libertem o Galamba. A culpa é do Costa.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia
Foto: © Agência Lusa / Manuel de Almeida
Texto: Pedro Gomes Sanches em:
Libertem o Galamba. A culpa é do Costa - Expresso
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