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Operadores obrigados a retirar antenas que ponham em risco as comunicações


Um dos objetivos da avaliação é a mitigação de riscos de cibersegurança das redes da quinta geração da rede móvel. © Gonçalo Delgado/Global Imagens


 Nova lei prevê que equipamentos de rede passem por avaliações, auditorias e certificações. Comissão avaliadora está desde agosto a fazer o levantamento de antenas, componentes e fornecedores dos operadores. Material de risco será retirado ou licenças 5G serão cassadas.


José Varela Rodrigues


As autoridades nacionais estão a passar a pente fino os equipamentos de rede dos operadores de telecomunicações para identificar potenciais brechas na segurança do país. O levantamento de antenas, componentes e respetivos fornecedores foi pedido e Altice, NOS e Vodafone têm enviado às autoridades toda a informação relativa à segurança e integridade das redes que servem os portugueses, apurou o Dinheiro Vivo. Caso haja equipamentos considerados de risco, as telecom terão de os retirar.


As reuniões da Comissão de Avaliação de Segurança têm ocorrido desde agosto e o DV sabe que o organismo está a trabalhar para ter o estado da arte feito até ao final do ano, preferencialmente. Esta é a primeira fase do trabalho dos especialistas que vão recomendar ao governo que materiais ou serviços e fornecedores podem as telecom usar, a bem da segurança nacional e da privacidade dos cidadãos em território luso.


Até agora, os operadores não tinham de alinhar a escolha de componentes e fornecedores com obrigações legais para mitigar riscos de segurança nem ter em conta a origem dos equipamentos das redes móveis, mas a nova lei das comunicações eletrónicas veio mudar tudo. Em vigor há cerca de 15 dias (as normas sobre segurança das redes estão a valer desde agosto), a nova legislação determina que Altice, NOS e Vodafone - tal como a Digi e a Nowo (considerando o espetro adquirido no leilão do 5G) -, só possam usar equipamentos auditados e certificados, com base em critérios de segurança coincidentes com as regras da União Europeia (UE).


Para já, ainda não há por cá quaisquer obrigações definidas. Foi, por isso, criada a Comissão de Avaliação de Segurança. Como não há, nem isso alguma vez tinha sido requerido, dados sobre o que está por trás das redes móveis (informação que até aqui fazia parte do segredo do negócio de cada telecom), a comissão avaliadora quer saber, antes de tomar decisões, o que existe e qual é o atual estado e o nível de segurança e integridade das redes de telecomunicações no país. Só depois avançará com recomendações e indicações para as telecom cumprirem à risca.


Material de risco será retirado

Segundo a lei, a comissão em causa, criada ao abrigo do Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço, é liderada pelo contra-almirante António Gameiro Marques, diretor-geral do Gabinete Nacional de Segurança e do Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS). Também o embaixador para a ciberdiplomacia, Luís Barreira de Sousa, integra os trabalhos. Até à publicação deste artigo, o DV não conseguiu identificar os restantes membros da comissão que representam a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), o Sistema de Segurança Interna, o Sistema de Informações da República Portuguesa, a Direção-Geral de Política Externa e a Direção-Geral da Política de Defesa.


Contactado, o CNCS apenas reitera que "esta comissão é responsável pela realização de avaliações de segurança, que incidem sobre a utilização de equipamentos em quaisquer redes de comunicações eletrónicas". E nota que, concluída a avaliação, a comissão tem plenos poderes para "determinar a exclusão, a aplicação de restrições à utilização, ou a cessação de utilização de equipamentos ou serviços", dando aos operadores visados "um prazo razoável" para cumprirem as ordens, caso sejam identificados componentes de risco instalados nos equipamentos existentes.


Quaisquer decisões que venham a ser tomadas pela comissão, bem como os critérios que venham a orientar auditorias e certificações serão sempre, acrescenta o CNCS, "justificadas e fundamentadas em critérios objetivos de segurança, com base em informação relevante emitida pelas entidades competentes nacionais e da UE, ou constante das avaliações nacionais ou europeias de risco para a segurança das redes".


A comissão em causa responde diretamente ao secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, Mário Campolargo. Do gabinete da tutela é realçado que a "ponderação da segurança" das redes de telecomunicações servidas aos portugueses segue "em especial" a "abordagem resultante da toolbox europeia para a mitigação de riscos de cibersegurança das redes 5G".


A polémica caixa de ferramentas é um conjunto de medidas de mitigação dos riscos cibernéticos no desenvolvimento do 5G que os 27 Estados-membros têm de adotar. Foi lançada pela UE em janeiro de 2020, meses depois de os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, terem acusado a chinesa Huawei (e também a ZTE, outro player chinês) de usar componentes de redes móveis para alegadas práticas de espionagem chinesa. Até hoje as alegações não foram provadas, mas isso não impede a Casa Branca de continuar a aplicar sanções às tecnológicas chinesas. A última foi a 25 de novembro, quando a administração de Joe Biden decidiu proibir a venda de equipamentos da Huawei e outras quatro marcas chineses (ZTE, Hikvision, Hytera e Dahua).


Os peritos da comissão também estão atentos ao que outros países da UE estão a fazer para não existir um desalinhamento com a restante realidade europeia. O DV sabe que têm ocorrido interações bilaterais com outros Estados, uma vez que o trabalho em causa requere cautela e responsabilidade - não será de ânimo leve que a comissão recomendará uma orientação, que poderá culminar na exclusão de componentes. Em Espanha, por exemplo, as orientações para a segurança das redes ganharam força de lei, com aquele país a apertar a legislação ao ponto de pré-definir o que é uma situação de risco, uma situação de segurança, o que são serviços 5G e o que é (e quem pode ser) um fornecedor de 5G.


Fonte conhecedora do processo em Portugal explica que a "preocupação" da Comissão de Avaliação de Segurança "não é com A,B ou C". O trabalho visa "tão somente preservar um dos bens mais importantes dos cidadãos que é a sua privacidade, com todos os ingredientes de confiança necessários", para que não surjam suspeitas "que as comunicações e, sobretudo os dados, sejam utilizados indevidamente por quem não tem direito a usá-los". Por isso, o trabalho desta comissão não visa apenas as redes 5G. Haverá um foco maior sobre o 5G, mas a avaliação que está a ser feita recai sobre todas as redes móveis. Aliás, importa relembrar que o 5G que já está disponível é non-standalone, ou seja, é 4G com antena 5G, segundo os entendidos.


O foco da avaliação que a comissão está a fazer passa por conhecer os componentes do core (núcleo) das redes, que materiais são utilizados para o transporte da rede (fibra ótica, por exemplo) e quem fornece o rádio (vulgo antenas). A postura da comissão é à partida agnóstica, mas existe um histórico em Portugal das telecom recorrerem a um fornecedor chinês em particular, a Huawei.


Quem não cumprir fica sem 5G

Contactada, fonte oficial da Vodafone Portugal garante que "a segurança das redes e equipamentos é desde sempre uma prioridade". A sueca Ericsson é fornecedor de longa data para a componente rádio das redes da Vodafone, que passou também a trabalhar com a norte-americana Mavenir para o core da rede 5G.


Já fonte oficial da NOS assevera que a telecom usa "exclusivamente" tecnologia europeia nas antenas, designadamente Ericsson e Nokia. A NOS já teve a Huawei como parceiro para a construção de redes móveis, mas, segundo uma fonte setorial, a empresa já iniciou a substituição dos componentes chineses - informação que já terá sido passada para a Comissão de Avaliação de Segurança. A empresa não confirma esse dado. Em fevereiro de 2020, a NOS já garantia aos analistas do setor que não recorria à Huawei para o núcleo da rede e que iria obedecer às recomendações da UE. Noutras áreas, como os bastidores de energia que alimentam as antenas, a NOS recorre também à Huawei. Para o 5G, a empresa recorreu recentemente à norte-americana Matsing.


Quanto à Altice Portugal, a empresa não respondeu às questões enviadas, mas o DV sabe que a dona da Meo recorre em diferentes áreas das redes móveis à Cisco, Ericsson e Nokia, tendo no passado implementado também diferentes componentes da Huawei na sua rede. Aliás, em 2018, durante a visita de Estado do presidente da China, Xi Jinping, a Portugal, a Altice e a Huawei integraram um dos 17 acordos assinados entre os dois países. Naquele caso, estava em vista uma parceria estratégica para o 5G, mas, depois das recomendações de Bruxelas, a Altice sempre negou usar material da Huawei no core da sua rede 5G. O DV apurou junto de outra fonte setorial que a empresa não vai mesmo recorrer à Huawei como fornecedor para o 5G, na sequência de um concurso para identificar fornecedores.


Refira-se que a Nowo, que passou a deter espetro com o leilão do 5G, ainda não tem rede própria e continua a usar parte da rede da Altice - algo que deverá mudar com a compra pela Vodafone. Já a rede da recém-chegada Digi ainda está a ser construída e beneficiará das torres da Cellnex. Fonte oficial da Cellnex explica que a empresa dedica-se "à gestão e exploração de infraestruturas passivas de suporte a equipamentos de comunicações eletrónicas, não adquire nem gere equipamentos ativos". Ou seja, os componentes instalados nas torres da empresa são responsabilidade do operador retalhista. No caso da Digi, o operador tem parcerias com Ericsson, Nokia e Huawei em diferentes mercados europeus.


Até à publicação deste artigo, o DV não conseguiu confirmar o número de antenas e equipamentos que estão a ser avaliados pela Comissão de Avaliação de Segurança. Segundo os últimos dados da Anacom, existem em Portugal 41 466 estações base para as redes móveis 2G, 3G, 4G e 5G.


Quando os trabalhos da comissão avaliadora estiverem concluídos e forem conhecidas as recomendações, caberá à Anacom fiscalizar se os operadores as cumprem de acordo com fonte oficial do regulador. E a lei diz que "o incumprimento das condições associadas ao exercício da atividade e aos direitos de utilização de frequências pode determinar a revogação" das licenças para operar redes móveis, uma consequência que as telecom terão em conta sobretudo no caso do 5G.


O tema da segurança das redes é sensível e está a ser tratado com muita cautela, em Portugal. Já em março de 2019, a Comissão Europeia recomendara aos Estados-membros que excluíssem empresas consideradas de risco e que cada país analisasse os riscos nacionais com o 5G. Um ano depois, o governo anunciava que iria avançar com um modelo de certificações e auditorias aos equipamentos, como forma de limitar o recurso a fornecedores considerados de "alto-risco".


Tudo isto tem respaldo na nova legislação, explica fonte oficial da Anacom, lembrando ainda que desde 2019 há um regulamento que diz que as telecom devem precaver-se quanto à gestão do risco de segurança, além de que já os termos do leilão do 5G previam que os operadores teriam de aceitar as medidas, nacionais ou europeias, que venham a ser adotadas pelo país nesta matéria.


Não obstante, um relatório de janeiro de 2022 do Tribunal de Contas Europeu refere que Portugal ainda não acautelou as medidas de segurança consideradas essenciais.


Operadores obrigados a retirar antenas que ponham em risco as comunicações (dinheirovivo.pt)

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