Até abril foram cancelados investimentos no valor de 800 milhões de euros em turismo residencial, que representariam 500 milhões de euros em impostos e 2090 empregos criados. A Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts pede "bom senso" para evitar uma "catástrofe".
"O governo está a dar cabo, em poucos meses, de algo que demorou décadas a construir. Implicou o esforço de investidores, do Estado e das pessoas e, agora, com uma decisão irrefletida, deitamos fora". A crítica ao fim dos vistos gold, medida que integra o pacote Mais Habitação, é do diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts (APR), Pedro Fontainhas, que acusa o governo de estar a tomar uma "decisão às cegas" e a prejudicar o crescimento económico do país.
Desde que foi anunciado o fim das Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARI), a 16 de fevereiro, e até ao final de abril, foram cancelados projetos de turismo residencial no valor de 800 milhões de euros que teriam um impacto de 4,8 mil milhões de euros na economia do país. Os dados da APR, divulgados ao Dinheiro Vivo, indicam que pelo caminho ficam 500 milhões de euros em impostos que o Estado poderia arrecadar e 2090 postos de trabalho que não serão criados.
O impacto será sentido tanto nas regiões turísticas como no interior. Alcácer do Sal, Amarante, Beja, Castro Marim, Évora, Faro, Grândola, Lagos, Óbidos, Portimão, Reguengos de Monsaraz, Sagres, Salir, Santiago do Cacém, Sines, Tavira, Troia, Vila Real de Santo António e Vila Viçosa são algumas das regiões que viram os projetos travados no seguimento do anúncio do governo. Pedro Fontainhas esclarece que estes dados se referem apenas aos 27 associados da APR, estimando, por isso, que o verdadeiro impacto no país seja superior a estes cálculos.
Investimento estrangeiro em fuga para a Grécia
O responsável da associação alerta para as várias consequências do fim dos vistos gold, desde logo, a fuga do investimento estrangeiro para outros países. "Os investidores estão a procurar alternativas e muitos, por exemplo, estão já a trocar Portugal pela Grécia. O país tinha previsto subir o preço de entrada das ARI [de 250 mil euros para 500 mil euros] e suspendeu essa iniciativa com a enxurrada de investidores que se deslocaram de Portugal para a Grécia", lamenta.
Pedro Fontainhas considera que Portugal fica "indiscutivelmente menos competitivo" e não tem dúvidas de que a reputação do território como um destino turístico de excelência está em causa. "Precisamos de crescer e precisamos de investimento como de pão para a boca. Este investimento tem de ser estrangeiro porque a economia nacional não tem capital que chegue para este tipo renovação e de construção do produto turístico. Vamos ficar para trás e corremos o sério risco de deixar de ser um destino de excelência", prevê.
Outra das consequências da quebra do investimento em novos empreendimentos turísticos será o crescimento do mercado paralelo de arrendamento para férias. Se a isso for somado o travão ao Alojamento Local (AL), outra das medidas do pacote do governo que foi aprovado na generalidade na semana passada, estão reunidos os ingredientes para que o país "regrida uma série de anos".
"À medida que for havendo menos produto disponível, menos apartamentos turísticos em hotéis e em empreendimentos independentes, vamos voltar aos tempos de antigamente em que voltará a crescer o mercado paralelo e informal ou mercado clandestino de arrendamento de habitação para férias. Sem condições, sem legislação, sem proteção do consumidor e sem nenhuma receita para o Estado", enumera Pedro Fontainhas.
Partidos mostram abertura
O pacote Mais Habitação, desenhado pelo executivo socialista com a premissa de mitigar a crise na habitação do país, seguirá agora os trâmites legislativos e será discutido na especialidade, durante as próximas semanas, na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação.
A APR mantém a "esperança" de que "exista bom senso para preservar os investimentos neste tipo de imobiliário turístico". "Não deitámos a toalha ao chão ainda. Os nossos empreendimentos não são habitação e não há imobiliário que seja utilizado para as pessoas viverem, é utilizado para as pessoas tirarem férias. O investimento estrangeiro neste tipo de produto não retira uma única casa aos portugueses, cria empregos. Existe muita confusão em Portugal à volta do tema e acreditamos que, no final do dia, haverá bom senso", pede o diretor executivo da associação.
Desde fevereiro que a APR se tem reunido com os vários partidos com assento parlamentar, para defender a importância do investimento nos empreendimentos turísticos e explicar que não existe qualquer relação entre o arrendamento habitacional e os aparthotéis turísticos.
Da parte dos deputados, a APR diz não ter recebido "nenhum bloqueio" e, mesmo as reuniões com o governo, nomeadamente com o secretário de Estado do Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, decorreram em ambiente de abertura, motivo pelo qual a associação acredita que a discussão na especialidade traga um passo atrás na decisão de 16 de fevereiro. "Mesmo os partidos menos entusiastas estiveram de acordo connosco. O próprio PS vê isto com bons olhos; não garante nada, mas percebe e dá razão ao essencial que estamos a comunicar", refere.
Equacionar, para já, a morte definitiva dos vistos gold neste modelo de negócio é cenário ainda hipotético para a APR. "Se, por hipótese remota e absurda, viesse a ser impedido o investimento em unidades turísticas, seria trágico. São muitas centenas de milhões de euros que são investidos neste tipo de imobiliário, muita da oferta turística que existe em Portugal referente a hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos. Na origem há investimento estrangeiro e não é de mega multinacionais estrangeiras, é de pequenos aforradores que investem na sua unidade e põe a sua unidade à exploração", esclarece.
Pedro Fontainhas admite que, a avançar, a medida pode representar o fim de um modelo de negócio, mas afasta, para já, esse cenário e pede que o investimento em turismo seja comparado ao setor da cultura. "A ideia é tão absurda que não há um grande foco em pensar qual seria o modelo alternativo, porque acreditamos que isto tem de ser deixado de fora, como os vistos para a cultura o são, porque não têm nada a ver com o problema da habitação que se quer resolver", adianta.
Propostas da APR
A APR apresentou ao governo seis medidas complementares que visam "contribuir para apoiar o executivo na resolução dos problemas da habitação dos portugueses sem, no entanto, retirar às restantes regiões do país, em particular às regiões mais turísticas, o investimento em produto turístico ou outro de que dependem para o seu desenvolvimento e convergência".
A primeira medida da associação é que seja dado tempo à discussão - seis meses para que seja feita uma reflexão sobre o impacto das últimas alterações ao programa ARI que entraram em vigor a 1 de janeiro de 2022, e sobre "possíveis medidas transitórias que ainda devem ser testadas antes da decisão de eliminação total do mesmo". A associação pede, depois, um novo período de mais seis meses para a implementação das medidas e para que os investidores tenham tempo de se organizar.
A segunda proposta visa a revisão do montante de investimento mínimo para a transferência de capitais para atribuição de uma ARI, atualmente fixado em 1,5 milhões de euros. A APR propõe também a criação de uma contribuição especial aplicável à aquisição de imobiliário não residencial que financie a construção pública de habitação social e acessível ou criar uma variante ARI especificamente dirigida à aquisição e construção para arrendamento acessível de habitações.
A quinta proposta pede que se "torne aplicável, para efeitos de ARI, unidades de participação em fundos para arrendamento habitacional, não obrigatoriamente "acessível", como forma de responder também a esse tipo de procura".
Por fim, a associação liderada por Pedro Fontainhas sugere que seja eliminado "o termo vistos gold do léxico governamental e social, em favor de ARI ou outro que não seja percecionado negativamente pelo público". O responsável salienta que é urgente que se faça uma distinção entre "os vistos gold que existem, por exemplo, em Chipre e noutros países" que concedem nacionalidade aos investidores, das ARI portuguesas. "Um titular de visto gold em Portugal não tem nenhuma vantagem quando, ao fim dos cinco anos, tiver em posição de pedir a nacionalidade sobre um imigrante estrangeiro que venha e que pode pedi-la ao fim do mesmo período. Existir um investimento não é critério para atribuir nacionalidade", conclui.
Rute Simão:
Comentários
Enviar um comentário