Já não é o inverno, é o "inferno demográfico" que aqui se vive, com a emigração a deixar pesada fatura num país a sangrar talento, de onde metade dos jovens que saem da faculdade quer sair e admite não voltar. Mas há caminhos que potenciam melhorias, garantem Vasco de Mello e Nuno Amado, que através da Associação Business Roundtable Portugal, querem pôr o tema na agenda.
Se a atração e a retenção de talento são "absolutamente fundamentais no mundo competitivo e global, Portugal não tem tido um bom desempenho nessa frente", lamenta o empresário Vasco de Mello, que aponta a falta de crescimento do país como o pecado original que tem contribuído para agravar a crise demográfica, dificultando também a capacidade de atrair e fixar talento. "Nas últimas duas décadas, não se criou condições para que o crescimento aconteça e isso é essencial à geração de riqueza que determina a possibilidade de as pessoas chegarem ao nível de vida que ambicionam", explica ao Dinheiro Vivo. O pior efeito dessa situação, traçada num diagnóstico feito pela Associação Business Roundtable Portugal (ABRP), é o avassalador ritmo de emigração, que nos roubou mais de 700 mil pessoas nos últimos dez anos, muitas delas jovens e qualificadas, que vão fazer vida e construir família lá fora.
É o inverno demográfico que, com subida da esperança média de vida e esta emigração em massa, está a criar o que Vasco de Mello e Nuno Amado consideram o "inferno demográfico". Com o estudo da Associação e da Deloitte revelado ao Dinheiro Vivo, os empresários e líderes da ABRP não trazem só problemas, mas também caminhos para descobrir soluções que permitam quebrar o círculo que fez o país perder quase 1 milhão de pessoas na última década (ver números ao lado).
"Somos o 8.º país do mundo em emigração e não havendo soluções únicas há instrumentos que empresas e Estado podem usar para travar esta tendência, que está a piorar", garantem, apontando que metade dos jovens que estão a terminar os estudos está muito inclinada a sair do país e a maioria deles não quer voltar mais tarde.
"Se eles partem para terem melhores condições de vida, melhores salários, podemos oferecer algo que os faça ficar?" A pergunta tem resposta claramente positiva, ainda que os caminhos sejam múltiplos, consoante o setor, a região, a empresa.
As sugestões de trabalho deixadas pelos responsáveis da ABRP têm quatro níveis de ação: os salários, que têm de subir; o poder de compra, que tem de ser ajustado ao que procura um jovem em arranque de vida; a fiscalidade não pode castigar o trabalho e penalizar o sucesso; e a organização do trabalho, que tem de se flexibilizar de forma a comportar as novas abordagens e vontades dos jovens.
Ajudar jovens a sair de casa
"Do ponto de vista das empresas, há um caminho de progresso salarial que tem de ser seguido", explicam os empresários, lembrando que o minimum comfortable wage se baliza em limites menos rígidos do que se pode pensar. "Se um jovem que quer ter uma profissão adequada, que quer sair de casa e viver de forma confortável fizer vida em Trás-os-Montes, esse valor ronda os mil euros, se estiver em Cascais, sobe para os 1800; porque a habitação e a centralidade têm custos distintos." E nessa lógica, pode até haver incentivos a que as empresas deslocalizem para zonas de menor pressão, por exemplo.
A segunda esfera em que as empresas podem agir é adotar uma composição salarial mais flexível, garantindo aos jovens que empregam "apoios à mobilidade ou à residência, complementos de remuneração com um tratamento fiscal e de Segurança Social diferente e um prazo alargado a alguns anos, de forma que dê tempo a que se estabeleçam e alcancem alguma progressão na carreira". O que implica também as empresas poderem beneficiar de um tratamento mais favorável nesses complementos, defende Nuno Amado. Que aponta a necessidade de dar gás ao mercado, aumentando a oferta, para se poder garantir habitação para os nossos jovens.
Reforçar o IRS, tornando-o tão ou mais apelativo do que o Programa Regressar é outro esforço que cabe ao Estado. E depois há aquilo a que Nuno Amado chama o "aperto fiscal". Com menores níveis de produtividade e empresas de menor dimensão do que as de países como Espanha, França ou Alemanha, subir salários ao patamar europeu não é tarefa simples, mas é fundamental para ombrear com os nossos parceiros e concorrentes. E o efeito fiscal ainda acentua mais essa dificuldade. "Em países europeus com custos de casa e supermercado semelhantes, um salário base de 2 mil euros/mês em Portugal custa mais aos nossos empresários do que aos outros e os trabalhadores portugueses recebem menos do que os de outros países."
São dimensões que precisam de ser alteradas se queremos estancar a emigração, sobretudo de jovens qualificados, defendem os responsáveis da ABRP. E trazem um número importante à base da discussão, que querem ver ganhar espaço público, dada a relevância do tema para o futuro do país.
"Cada pessoa, quando chega ao fim dos seus estudos, representa um investimento que ronda os 100 mil euros, feito pelo Estado e pela família. Se virmos que estão a sair cerca de 20 mil jovens por ano dos 50 mil que se licenciam, são 2 mil milhões de euros a voar." Amado e Mello insistem no custo económico, mas sobretudo social deste investimento desperdiçado todos os anos, para sugerir que o Estado não aloque recursos apenas a determinadas faixas mais necessitadas, guardando também uma fatia para responder a objetivos estratégicos, de longo prazo. Como financiar medidas que possam reter aqui esse talento. "Entendemos que o equilíbrio orçamental é determinante, mas neste momento há recursos do Estado disponíveis e cuja alocação está em discussão. E é fundamental que essa alocação seja feita para quem precisa, mas também se deixe uma fatia para estabelecer critérios de retenção de talento, sobretudo jovem."
Reduzir peso fiscal
Vasco de Mello reforça que a componente em que as empresas podem agir não é suficiente e também o Estado tem de dar respostas para garantir que os nossos jovens ficam por cá. E isso começa por reduzir a desvantagem fiscal que Portugal tem para outros países, cujas empresas beneficiam de maior competitividade, não apenas por via dos custos que suportam mas também pela capacidade de oferecer carreiras mais atrativas. "A evolução na carreira é muito mais rápida e os empregos são muito mais flexíveis nos países para onde os nossos jovens qualificados emigram. Então, temos de melhorar essas vertentes." Como?
"A fiscalidade não é de todo irrelevante, ainda que o salário também seja tema", admitem os empresários, apontando que quase metade de um salário médio pago pelas empresas não chega ao bolso dos trabalhadores. "Isto não teria um efeito tão negativo no custo do Estado, visto que o país teria mais pessoas a trabalhar, a viver, a contribuir de forma mais eficiente."
No que respeita às empresas, reduzir custos de contexto é essencial - menos burocracia, licenciamentos mais ágeis, etc. -, mas também uma maior flexibilidade e agilidade nas empresas, para construírem organizações menos hierarquizadas, onde seja possível dar maior capacidade de decisão aos jovens e fazê-los rodar mais por diferentes funções e tarefas, para enfrentarem diferentes situações e assim também se valorizarem.
O diagnóstico está feito, os caminhos apontados, mas há interesse dos decisores em segui-los? "Tem havido diálogo, mesmo que falte algum sentido de urgência", admitem os responsáveis da Associação Business Roundtable Portugal, que alertam para a urgência de trazer este debate para a mesa.
Um emprego que vem com casa? Empresários traçam vias para reter jovens (dinheirovivo.pt)
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