O professor impedido de ir ao funeral do pai e o que não pôde ir com o filho a uma consulta de oncologia. Sindicatos denunciam casos de abuso nos serviços mínimos durante as greves
Sindicatos de professores alegam que houve diretores “mais papistas do que o Papa” na aplicação dos serviços mínimos decretados para as greves de 2 e 3 de março. Dizem mesmo que houve escolas que aplicaram os serviços mínimos numa dimensão que não têm sequer num dia normal, sem greve. A FENPROF criou um "Mail Verde", para receber denúncias
As queixas e pedidos de esclarecimento têm-se sucedido nos sindicatos que representam professores e trabalhadores não docentes: há escolas que podem ter abusado na aplicação dos serviços mínimos nas greves dos dias 2 e 3 de março.
“O caso mais insólito foi o de um professor que foi impedido de ir ao funeral de um dos pais. Comunicou-nos por telefone essa situação. Já temos também processos disciplinares de pessoas que faltaram para irem a reuniões sindicais e que foram alvo de processos por causa de serviços mínimos que não deviam ter existido”, revela à CNN Portugal Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE).
Mas não foi só ao SIPE que chegaram queixas e pedidos de esclarecimento de professores que alegam ter sido chamados, de forma ilegal, para cumprir serviços mínimos. Também o S.TO.P! (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) assegura ter recebido várias denúncias. “Temos várias situações em que as escolas chamaram todos os docentes. E também situações de grande insensibilidade. Há casos de colegas que foram impedidos de acompanhar os filhos a consultas de oncologia. Isto é muito cruel”, adianta à CNN Portugal André Pestana.
São situações que, em dias normais de aulas, seriam facilmente justificadas com uma declaração da funerária ou de comparência no hospital que trata a criança. Mas no caso de o trabalhador ser convocado para serviços mínimos, dizem os sindicatos, essas justificações não chegam.
E as queixas são transversais aos trabalhadores não docentes. André Pestana diz que há casos de “escolas com 21 ou 22 assistentes operacionais e que convocam 19 ou 20 para serviços mínimos”. “Ora, haverá dias normais em que provavelmente essa escola não terá tantos funcionários ao serviço em simultâneo. Há diretores fantásticos. Mas há diretores que parece que querem ser mais papistas do que o Papa”, acusa André Pestana.
FENPROF cria mail para receber denúncias e avança com queixas na PGR
A FENPROF abriu mesmo um “Mail Verde” para recolher informações de alegados abusos e ilegalidades nos casos de aplicação de serviços mínimos e avançar para os tribunais. Além dos exemplos já referidos, a estrutura sindical dirigida por Mário Nogueira diz que “num registo mais soft, há diretores/as que estão a chamar a atenção ou repreender os docentes que, após o serviço normal que têm atribuído em determinado dia, não permanecem nas escolas para cumprir as horas de ‘serviços mínimos’, apesar de a greve para que foram decretados nelas ter expressão zero”. “As direções das escolas que estão a ter esta prática agem à margem da lei, ainda por cima impondo serviços mínimos que, como se provará em tribunal, são ilegais”, acusa a FENPROF, num comunicado enviado às redações.
“Impedir a participação de professores em reuniões sindicais, alegando a existência de serviços mínimos, é um ato violador da Constituição da República por pôr em causa o direito ao exercício de atividade sindical; impedir um professor de comparecer em consulta médica, ainda por cima marcada para depois do seu horário normal de trabalho, ou impedi-lo de fazer o luto por morte de familiar, entre outros motivos que justificam a ausência, merece punição disciplinar e judicial de quem perpetra tal ato”, considera a estrutura sindical.
A FENPROF assegura que o Ministério da Educação sabe destas situações, “só que nada fez para lhes pôr cobro”. A estrutura sindical adianta ainda que “já começou a apresentar queixas junto da Procuradoria-Geral da República”. No caso, uma queixa apresentada pelo Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) contra a diretora do Agrupamento de Escolas Afonso III, em Faro, e o delegado regional do Algarve da DGEstE, por impedimento de participação em reunião sindical devido a serviços mínimos acionados sem que houvesse alguém em greve. Esta queixa, de acordo com informação da PGR ao sindicato, foi encaminhada para o Ministério Público.
Assim, a FENPROF exige que o Ministério da Educação “esclareça as direções das escolas sobre o que são, para que servem e quando deverão ser acionados serviços mínimos” e promete abordar o assunto na reunião que manterá esta quinta-feira com o Governo.
Os professores e trabalhadores não docentes parecem não estar preparados para ceder, no caso de as suas reivindicações não serem atendidas. Isto, dizem, apesar das tentativas de intimidação que são levadas a cabo em muitas escolas. André Pestana lembra o caso da professora Rosa Martins, que foi chamada a tribunal, pelo Ministério Público, por ter convocado duas concentrações pacíficas no último mês de janeiro. A docente da escola de Porto Salvo assegura que não houve obstrução ao trânsito, não houve qualquer sinal de violência ou sequer perturbação e a câmara de Oeiras confirma ter sido alertada para o protesto com a devida antecipação. “Não podemos deixar de achar que não é inocente”, resume do dirigente do S.TO.P!.
Os vários sindicatos dos professores avançaram para tribunal contra os serviços mínimos, ainda antes da greve. Foram apresentadas providências cautelares, que não tiveram resposta em tempo útil. Está a ser preparado agora um recurso, que deverá ser entregue pela FNE (Federação Nacional de Educação), em nome de todos as estruturas sindicais que compões a plataforma (FNE, SIPE, ASPL, Fenprof, a FNE, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP e SPLIU), no Tribunal da Relação.
O Ministério da Educação começou por solicitar serviços mínimos para a greve decretada pelo S.TO.P!, que começou no início de dezembro e decorre por tempo indeterminado. O tribunal arbitral decidiu favoravelmente em relação ao pedido da tutela. Para a greve de 2 de março na região Norte do país e de dia 3 na região Sul, convocadas pelos sindicatos da plataforma, o tribunal arbitral decretou igualmente serviços mínimos, apesar de o próprio Governo já ter desistido de os aplicar.
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