Revista New Scientist e Comité Internacional Contra o Regresso de Amostras de Marte (existe desde 2000) pedem que NASA e ESA (agência europeia) reconsiderem desejo de trazer em 2031 amostras de Marte para a Terra, sob o risco de contaminar o planeta.
A rover da NASA Perseverance na superfície de Marte, onde irá recolher amostras que futuras missão dentro de 10 anos, deverão trazer para a Terra. Ao fundo o helicóptero do rover, o Ingenuity © NASA
As viagens no espaço podem ser um sonho antigo, que atingiu o seu auge com as missões Apollo e a presença de seres humanos na Lua entre 1969 e 1971 e desde essa altura que a humanidade tem trazido rochas para a Terra.
As missões recentes a Marte, nomeadamente a da rover Perseverence, têm como objetivo perceber se já houve vida no Planeta Vermelho. Para isso a NASA e a ESA (agência espacial europeia) têm prevista uma missão para trazer para a Terra, daqui a cerca de 10 anos, a primeira cápsula espacial com amostras de solo e rocha da superfície de Marte.
Tal como explicava ao Dinheiro Vivo em janeiro a astrobióloga portuguesa (ex-NASA), Zita Martins, existem preocupações legítimas (e regras estabelecidas) sobre o que pode ou não deve vir para a Terra vindo do espaço até por questões de possível contaminação indesejadas - não faltam filmes de ficção científica a falarem nessa temática.
Pode ouvir a entrevista à Zita Martins no podcast Made in Tech aqui:
Cápsula irá cair no Utah, nos EUA
Certo é que o plano atual é que a cápsula caia no deserto de Utah (nos EUA) e será depois transportada para um laboratório de nível de biossegurança 4 (BSL-4), o nível atual de contenção biológica mais alta disponível - usado para patógenos como o vírus Ébola. A ideia passa por fazer testes exaustivos para tentar encontrar sinais de vida, passada ou presente, em Marte. Na verdade, encontrar vida além da Terra e trazer para a Terra amostras é um objetivo há várias gerações de cientistas, indica a NASA.
Apesar da promessa científica única - a de encontrar sinais de vida -, há preocupações sobre o que será mais seguro para a vida na Terra, como indica a revista New Scientist, já que ninguém sabe ao certo se as amostras recolhidas pelo rover Perseverence têm ou não patógenos marcianos para os quais pode não haver defesas. A prestigiada revista elenca mesmo os motivos pelos quais "trazer rochas de Marte para a Terra é uma má ideia".
O mesmo sobre se a cápsula não ficará comprometida no impacto com a Terra, arriscando contaminação de vida selvagem, rios, plantas e cidades na zona do Utah.
Embora pequenos, os riscos existem, indica a New Scientist, daí que exista já um trabalho da NASA e da ESA com o CDC (Centro de Controlo de Doenças dos EUA) e com o Centro Europeu de Prevenção de Doenças para tentar mitigá-los.
Tratado da ONU indica: os viajantes espaciais devem evitar "mudanças adversas no meio ambiente da Terra resultantes da introdução de matéria extraterrestre".
Tratado do Espaço Sideral da ONU regula área desde 1967
Há ainda outro problema que está relacionado com o próprio Tratado do Espaço Sideral da ONU proíbe a contaminação dos mundos que os seres humanos visitam, mas também da própria Terra no regresso das missões - é por esse motivo que mesmo os astronautas das missões Apollo cumpriam quarentena durante 14 dias após regressarem da Lua.
Explica o tratado, que foi assinado a 27 de janeiro de 1967 e entrou em vigor em outubro desse ano, que os viajantes espaciais devem evitar "mudanças adversas no meio ambiente da Terra resultantes da introdução de matéria extraterrestre".
Numa altura de pandemia de covid-19 e do seu impacto na Terra e nos seres humanos, a New Scientist diz mesmo que a NASA e a ESA devem considerar mudança de rumo. Com a missão Gateway pode haver uma solução para o estudo das amostras marcianas fora da Terra, já que se trata de uma pequena estação espacial junto à Lua, na órbita lunar, que NASA, ESA e as agências japonesas e canadianas querem lançar já em 2024 (se não houver atrasos), com a ajuda das empresas privadas SpaceX e da Blue Horizon - de Elon Musk e Jeff Bezos, respetivamente.
A posição indicada pela revista é também a do Comité Internacional Contra o Regresso de Amostras de Marte (ICAMSR), uma associação criada em 2000 e que procura evidenciar os riscos da chegada de amostras extraterrestres ao planeta. "Apoiamos uma missão de retorno de amostras de Marte como parte da estação espacial Lunar Gateway, se as amostras forem levadas para um módulo de exame de risco biológico especialmente projetado na órbita lunar, ou que faça parte de um conceito de base lunar maior, conforme previsto no programa Artemis da NASA", explica Barry DiGregorio, diretor do ICAMSR, garantindo que "esta é a única maneira de garantir 100 por cento de proteção da biosfera da Terra."
Apesar disto, NASA e ESA explicaram já que seria caro e complicado de operar um laboratório de nível BSL-4 no espaço e que precisam mesmo de manter o plano inicial de trazer as amostras para a Terra, avançando que a microgravidade de uma estação espacial "iria comprometer a maneira como se analisam as amostras".
Por João Tomé em:
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