A Anacom recuperou discussão com Código Europeu no Parlamento. Setor rejeita o que "nem os consumidores querem". E alerta para efeito nos preços e no investimento.
Pedro Mota Soares, secretário-geral da Apritel. (Orlando Almeida / Global Imagens) © Orlando Almeida / Global Imagens
Não se deve mexer no que funciona e está equilibrado. Ainda menos quando está em causa um setor com investimentos elevadíssimos no país (o rácio investimento face a receitas é superior ao de Espanha, França e à maioria dos países europeus), que é competitivo e que já fez chegar cobertura de alta velocidade a 5,7 milhões de alojamentos, garante cobertura 4G a 96% dos lares e 64% de penetração de serviços de elevado débito. É "valor trazido pelas operadoras" que vai aumentar com o 5G, sobretudo em territórios de baixa densidade populacional, e que estão claros num "relatório recente da Anacom, muito pouco divulgado", lamenta fonte do setor ao Dinheiro Vivo, lembrando a importância das operadoras durante a pandemia, quer no papel que desempenharam a garantir a resiliência da rede quando estávamos todos em casa (teletrabalho e tele-escola incluídos, causando um aumento de 50% no uso de telecoms), quer na "oferta de serviços, no tráfego ilimitado, nos pacotes lançados para quem estava na linha da frente e nos planos de pagamentos acordados, que abrangem 56 200 pessoas e têm um impacto no setor que ascende a 15 milhões de euros".
O enquadramento serve de base à reivindicação dos operadores de telecomunicações, confrontados com uma nova vaga de vontade de mexer nos parâmetros da fidelização dos clientes. O tema é antigo e voltou a estar em cima da mesa numa altura em que o Parlamento discute a proposta do governo para a transposição para a lei portuguesa do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (CECE). Curiosamente, nem o Código, nem a proposta do governo falam nele. E a esmagadora maioria dos portugueses não quer alterações, revela um estudo da Marktest cujos resultados foram divulgados nesta semana.
Com investimentos médios de mil milhões de euros por ano no país, o setor alerta que mexer nas fidelizações - um meio que a própria Autoridade da Concorrência considera legítimo para recuperar investimento feito pelas operadoras - terá um de dois efeitos: reduzir o investimento no país e a capacidade de inovação - com consequências no seu desenvolvimento e coesão, nos processos de digitalização e no acesso dos portugueses a ela, ainda mais com o 5G à porta, a exigir custos avultados - ou subir os preços para os consumidores.
Consumidores não rejeitam fidelização
Segundo o estudo da Marktest, encomendado pela Apritel (que representa as operadoras do setor), mas que utiliza "as mesmas questões que foram efetuadas" no questionário da Anacom sobre o tema em 2017, só cerca de um quinto dos mais de 2 mil inquiridos diz estar disposto a pagar mais por mês ou a pagar um fee de arranque de contrato - que cubra os custos da operadora na instalação, disponibilização de rede, investimento, etc. - para "eliminar ou reduzir o período de fidelização associado ao pacote de serviços". Mais de metade (58%) já mudou de operador, "o que revela o dinamismo do setor", e "a esmagadora maioria (85%) tem contrato de 24 meses" e está satisfeito, apesar de haver ofertas de fidelização de duração inferior (12 meses ou menos).
O estudo revela ainda que a esmagadora maioria está contente com o seu pacote de comunicações (80%) e informada sobre o contrato de fidelização e as condições contratuais - só 3,6% não conhecem e dois terços desses sabem onde ir buscar essa informação. Conclusões que deitam por terra os argumentos do órgão liderado por Cadete de Matos no que respeita à fidelização e falta de transparência e concorrência no mercado. A Anacom, regulador das comunicações, tinha calendarizado este inquérito, mas a covid fê-lo ficar pelo caminho, pelo que a própria Apritel avançou, com a base de trabalho do regulador.
"A realidade é clara: os consumidores não encaram as fidelizações como um entrave à mudança, nem estas constituem fator de desconforto ou desvirtuar da concorrência; as pessoas sabem qual é o seu período de fidelização e procuram a melhor solução para as suas necessidades", resume o secretário-geral da Apritel, Pedro Mota Soares.
É mais um tema que separa regulador e regulados, que acusam a Anacom de demagogia e populismo ao insistir em questões como a ideia de que não há concorrência no mercado - e apontam as conclusões do estudo como prova. Bem como as chamadas de atenção da DECO e da Autoridade da Concorrência (AdC): a primeira "questiona apenas o preço para o consumidor sair" antes de passarem os 24 meses (há um teto autoimposto pelos operadores que limita esse valor a 500 euros, mesmo que desista no dia seguinte a assinar contrato); a Concorrência só levanta questões sobre refidelização. Ainda assim, o estudo da Marktest revela que a maioria prefere renovar a fidelização a pagar mais por mês (65%), em troca de melhores condições comerciais.
A fidelização em si, aparentemente, só causa mal estar à Anacom: "Nesta relação, as empresas são o vilão e o regulador apresenta-se como defensor de fracos e oprimidos", lamenta fonte do setor, lembrando que todos os anteriores líderes da Anacom sabiam qual era o papel do regulador. Agora, "a discussão está inquinada e chega a ser desonesta, mudando argumentos e critérios conforme o vento".
Transparência em curso
Se mexer na fidelização, pretensão do regulador, é uma questão em que o setor antevê "consequências desastrosas", as questões de transparência, essas sim introduzidas pelo Código e transpostas na proposta do governo são aceites com entusiasmo. "Não só não contestamos nada no CECE como até há critérios em que o setor já cumpre determinações agora propostas para toda a Europa", explica ao DV fonte do setor. Em causa estão regras que incluem coisas simples como a uniformização de fichas de clientes ou a obrigação de inscrever o valor da fidelização e o custo de saída antes desse período em todas as faturas, mas também a obrigação de o operador contactar o cliente em fim de contrato para o informar sobre melhores condições e perguntar se quer ficar ou sair - só podendo haver refidelização quando haja novo equipamento ou desenvolvimento que implique investimento acrescido. Nada que levante questões ao setor.
Quanto às fidelizações, "não se venha mexer numa solução que funciona, tanto mais que os consumidores não reclamam outra solução diferente - antes pelo contrário", apela Pedro Mota Soares.
Por Joana Petiz em:
Fidelizar pode ser compreensível mas refidelizar é que é um abuso que é necessário acabar.
ResponderEliminarAs operadoras inventam desculpas e artimanhas para na prática obrigar os clientes a refidelizar.
A refidelização é um abuso e é contra a concorrência.