Avançar para o conteúdo principal

O Natal já era celebrado muito antes de Jesus ter nascido

O natal cristão nos primeiros séculos (IV, V, VI, VII) celebrava o nascimento do novo sol

As celebrações natalícias têm origem muito antes do nascimento de Jesus, estando associadas ao solstício de inverno, com práticas que visavam ajudar ao renascimento do sol, perante o receio do seu desaparecimento, sublinha o antropólogo Aurélio Lopes.

Especialista em religiosidade popular, Aurélio Lopes explica a colocação do nascimento de Jesus nesta altura do ano com a necessidade de fazer desaparecer as celebrações em honra de Mitra, o deus do sol na mitologia persa.

A celebração do Natal como a festa do nascimento de Jesus só surge depois do século IV, porque os cristãos “consideravam que o nascimento era apenas um artifício de consubstanciação para que a divindade adquirisse um corpo e pudesse depois sofrer e morrer pelos homens e mostrar-lhes o caminho da salvação”

O “verdadeiro nascimento era a ressurreição, como dizia Clemente de Alexandria”, frisa o antropólogo.

Ao tornar-se a religião dominante do Império romano, o cristianismo tornou-se “exclusiva, não admitia outro culto”, o que levou a que adotasse práticas que visavam “ultrapassar e absorver os outros cultos”.

O culto de Mitra, que se comemorava por altura do solstício de inverno, “competia com o cristianismo” – o “natal de Mitra” era de 24 para 25 -, sendo uma das festas mais importantes do Império, realçou.

“Não há razão nenhuma para que o 25 de dezembro seja considerado como o de nascimento de Jesus, a não ser o facto de estar lá colocada uma divindade solar que se queria combater”, afirmou, salientando ainda as dúvidas quanto ao próprio ano do nascimento, que terá acontecido ou quatro anos antes (se de facto nasceu sob o reinado de Herodes) ou seis anos depois (quando ocorreu o recenseamento dos romanos aos judeus).

“De alguma forma, pode dizer-se que o cristianismo usurpou a festa pagã do sol, se apropriou dela”, disse, dando como exemplos os cânticos natalícios, que “começaram por ser cânticos em honra do sol, em honra de Mitra”, ou a tradição do madeiro de natal.

“Da celebração do nascimento do sol na terra” transformou-se “na fogueira para aquecer o menino”, realçou, apontando ainda a celebração, à meia-noite – “momento em que se atinge o declínio maior e se inicia o processo de ascensão” -, da missa do galo, sendo o galo “o arauto do sol”.

O natal cristão nos primeiros séculos (IV, V, VI, VII) “celebrava o nascimento do novo sol, Jesus Cristo”, sendo que o presépio “não existia ainda”, surgindo no século XII e atingindo o apogeu nos séculos XVII, XVIII, de que são exemplo “os célebres presépios de Machado de Castro”.

Outro exemplo das práticas ligadas ao sol é o do “chamado lume novo”, em que uma acha da fogueira de natal é levada para casa para acender a lareira, que nesse dia se apaga e limpa, apontando ainda Aurélio Lopes as designações atribuídas a Jesus, como “novo sol” ou “luz da vida”. O solstício de inverno, como acontecia também com o de verão, marcava “tempos de rutura”.

“Neste caso marcava o fim do ano, porque se assiste à morte do sol, se assiste à morte da natureza”, afirmou, realçando que as ritualizações míticas ajudam na “noção do tempo que acaba e volta a nascer”.

O caso das 12 passas que se comem no fim do ano insere-se neste ritual de preparação do tempo que aí vem, acreditando que “é propiciatório para os 12 meses” seguintes.

Aurélio Lopes referiu ainda o costume de colocar uma cadeira a mais na mesa da consoada e de “deixar o comer exposto durante a noite”, e também uma vela acesa “para alumiar as almas”, como resultado da crença de que, sendo um “tempo de passagem”, a “fronteira entre este e o outro mundo ficavam muito ténues e estabelecia-se como que um canal entre um e outro e os mortos podiam vir” e estar entre os vivos.

“Tem a ver com o acreditar-se que era um tempo de tal maneira especial que, no interregno entre o mundo que tinha acabado e o que ainda não tinha surgido, naquele hiato, tudo podia acontecer, de bem ou de mal, dependia das capacidades das pessoas para instrumentalizarem os diversos rituais”, disse.

Também a tradição da árvore de natal tem origem na simbologia de “renovação da vida”, salientando Aurélio Lopes que a sua vulgarização em Portugal só aconteceu em meados do século XX.

A necessidade de “simbologias claras e imediatas, vendáveis”, acabou por introduzir a imagem do Pai Natal, criada pela Coca-Cola a partir de um personagem do norte da Europa, em substituição do menino Jesus.

Se originalmente a oferenda de presentes seria à mãe, para alimentar e vestir a criança, passou depois a ofertas ao menino, deste às crianças, e, mais recentemente, a uma troca generalizada, que já “não tem nada a ver com o universo cristão”, numa “cedência completa à sociedade de consumo”, salientou.

De tal forma, que os sapatos ou as meias à lareira, onde em tempos couberam os presentes, se tornaram em meros elementos de decoração.

https://zap.aeiou.pt/natal-ja-era-celebrado-jesus-ter-nascido-232656

Comentários

Notícias mais vistas:

Diarreia legislativa

© DR  As mais de 150 alterações ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, foram aprovadas esta sexta-feira pelo Parlamento, em votação final. O texto global apenas contou com os votos favoráveis da maioria absoluta socialista. PCP, BE e IL votaram contra, PSD, Chega, Livre e PAN abstiveram-se. Esta diarréia legislativa não só "passaram ao lado da concertação Social", como também "terão um profundo impacto negativo na competitividade das empresas nacionais, caso venham a ser implementadas Patrões vão falar com Marcelo para travar Agenda para o Trabalho Digno (dinheirovivo.pt)

As obras "faraónicas" e os contratos públicos

  Apesar da instabilidade dos mercados financeiros internacionais, e das dúvidas sobre a sustentabilidade da economia portuguesa em cenário de quase estagnação na Europa, o Governo mantém na agenda um mega pacote de obras faraónicas.  A obra que vai ficar mais cara ao país é, precisamente, a da construção de uma nova rede de alta velocidade ferroviária cujos contornos não se entendem, a não ser que seja para encher os bolsos a alguns à custa do contribuinte e da competitividade. Veja o vídeo e saiba tudo em: As obras "faraónicas" e os contratos públicos - SIC Notícias

Franceses prometem investir "dezenas de milhões" na indústria naval nacional se a marinha portuguesa comprar fragatas

  Se Portugal optar pelas fragatas francesas de nova geração, a construtora compromete-se a investir dezenas de milhões de euros na modernização do Arsenal do Alfeite e a canalizar uma fatia relevante do contrato diretamente para a economia e indústria nacional, exatamente uma das prioridades já assumidas pelo ministro da Defesa, Nuno Melo Intensifica-se a "luta" entre empresas de defesa para fornecer a próxima geração de fragatas da marinha portuguesa. A empresa francesa Naval Group anunciou esta terça-feira um plano que promete transformar a indústria naval nacional com o investimento de "dezenas de milhões de euros" para criar um  hub  industrial no Alfeite, caso o governo português opter por comprar as fragatas de nova geração do fabricante francês. "O Naval Group apresentou às autoridades portuguesas uma proposta para investir os montantes necessários, estimados em dezenas de milhões de euros, para modernizar o Arsenal do Alfeite e criar um polo industrial...