Os aeroportos de grande tráfego são negócios privados, onde imperam as apertadas leis da concorrência da União Europeia. O financiamento público tem limites, que terão de ser ultrapassados em Alcochete, a acreditar nos números já tornados públicos pela Vinci, multinacional que detém a concessão dos aeroportos portugueses por mais 38 anos
“Em princípio, tudo indicia que estamos na presença de uma ajuda de Estado, porque eu suponho que, na prática, o Estado teria de financiar o projeto por valores muito elevados, que estão acima do limite permitido pela Comissão Europeia sem notificação prévia e aprovação obrigatória”, declara Miguel Troncoso Ferrer, advogado especializado em Ajudas de Estado, com escritório permanente em Bruxelas.
No máximo, a legislação europeia impõe um limite de 25 por cento, em relação ao total dos custos, à comparticipação pública de aeroportos comerciais de grande tráfego. Ora, as primeiras estimativas da multinacional francesa Vinci apontam para um custo global da obra de oito mil milhões, do qual só estará obrigada a financiar três mil milhões. O Estado terá de entrar com mais de 60 por cento, o que é claramente ilegal face ao Direito da Concorrência europeu.
Mas as ajudas de Estado vão para além da infraestrutura aeroportuária propriamente dita. A terceira ponta sobre o Tejo e os acessos rodoviários e ferroviários, como a linha de TGV, contam como ajudas de Estado. “Haverá que ter esses investimentos públicos em conta”, afima Miguel Troncoso Ferrer. “Há que ter em conta se a infraestrutura em questão é dedicada, quer dizer, se serve unicamente o aeroporto, caso em que terão de ser contabilizados na íntegra”. No caso de servirem mais finalidades, apenas uma parte será contabilizada, de acordo com as regras estabelecidas nos manuais comunitários. “O custo da ponte, da linha férrea ou da estrada que chega ao aeroporto, se também serve outra finalidade, deve ser corrigido em baixa na contabilidade das ajudas de Estado, porque não beneficia apenas o operador do aeroporto”, esclarece o perito.
A ameaça de Santarém
O especialista confirma a alegação do eurodeputado romeno Adrian-George Axinia, do Grupo de Conservadores e Reformistas. Como ontem avançou a CNN, este deputado escreveu à União Europeia lembrando que os terrenos do Campo de Tiro de Alcochete são uma ajuda de Estado. “Se o Estado cede terrenos públicos a um operador privado, para que neles faça uma infraestrutura ou desenvolva a sua empresa, isso é uma ajuda pública também”, sentencia Troncoso Ferrer.
As ajudas de Estado são um regime excecional que tem como primeiro objetivo resolver falhas de mercado e viabilizar projetos de interesse público que não são suficientemente atraentes para investidores privados. É por isso que os promotores de um aeroporto em Santarém têm uma palavra a dizer nas contas e na decisão da Comissão Europeia. “Se se demonstra que há alternativas de financiamento privado, ou que há promotores privados dispostos a cobrir os custos por inteiro, isso terá de ser levado em linha de conta para avaliar a proporcionalidade do financiamento público ao aeroporto em Alcochete”, esclarece o advogado espanhol há muitos anos habituado aos corredores de Bruxelas. “Nesse caso é provável que a Comissão seja mais exigente e diga: “Não. Só permito ao Estado português que financie abaixo dos 25 por cento”, sempre dos custos globais do projeto – e não unicamente da obra aeroportuária.
Comentários
Enviar um comentário