Subir um salário em 500 € pode custar 1.272 € ao patrão - e 772 € vão para o Estado, que é quem mais ganha com o aumento (com simulações)
Mesmo após a descida do IRS deste ano, aumentar um salário continua a beneficiar mais o Estado do que o trabalhador, em termos líquidos. Veja as simulações e a rubrica As Pessoas Não São Números.
Passaram poucos dias desde que ficámos a saber que Portugal é o oitavo país da OCDE com mais custos laborais sobre o trabalho. O conceito usado pela OCDE é o chamado tax wedge - margem ou hiato fiscal sobre o trabalho -, que calcula a diferença entre a totalidade dos custos laborais suportados pelo empregador e o salário líquido que o trabalhador efetivamente recebe. Essa totalidade de encargos inclui, do lado do trabalhador, a contribuição para a Segurança Social (11%) e o IRS (variável); e, do lado da empresa, a contribuição para a Segurança Social (23,75%).
Acontece que os dados da OCDE referem-se a 2023 e já estão desatualizados, porque o IRS baixou em janeiro de 2024, com a entrada em vigor do Orçamento do Estado do anterior governo. (O novo governo propôs nova descida de IRS, mas o tema ainda está em debate no Parlamento). Quais são, então, os custos de trabalho atuais?
A margem fiscal de quatro salários: mínimo, médio, alto e muito alto
Façamos simulações para quatro salários, entre mais baixos e mais altos: o mínimo, o médio, o dobro e o triplo do médio. E, para todos, usemos apenas a remuneração-base (excluindo por exemplo o subsídio de alimentação, que tem tributação variável em função do valor).
Em 2024, o salário mínimo subiu para 820 €. Já sobre os ganhos médios, o INE indica três indicadores diferentes: “Em 2023, a remuneração bruta total mensal média por trabalhador aumentou, em relação a 2022, para 1.505 Euros (6,6%), a componente regular para 1.216 Euros (6,6%) e a componente base para 1.143 Euros (6,8%)”.
Quando se diz que os portugueses ganham, em média, 1.505 €, está-se assim a referir a remuneração bruta mensal regular em 2023 dos trabalhadores, critério que, além da remuneração base, inclui componentes como “subsídios de alimentação, diuturnidades ou prémios de antiguidade, prémios, bónus e outras prestações regulares”. Há componentes destas que estão sujeitas a tributação diferenciada, pelo que, para efeitos de comparação, é mais rigoroso calcular os efeitos sobre a remuneração de base – aquilo a que tradicionalmente se chama de “salário bruto”.
O quadro seguinte mostra qual é a “tax wedge” – o hiato fiscal – para quatro salários: o salário mínimo, o salário médio, duas vezes o salário médio e três vezes o salário médio.
Como se vê na simulação anterior (feita para um sujeito passivo solteiro sem filhos), a margem fiscal sobe à medida que o salário sobe, o que está de acordo com a progressividade do sistema fiscal. É no salário mínimo de 820 € que a margem fiscal é mais baixa, de 28%. Assim é porque quem recebe o salário mínimo (e não tem outros rendimentos) não paga IRS (o antigo ministro das Finanças Fernando Medina tentou alterar esta situação, mas ela acabou por ficar como estava). Neste caso, a empresa gatas 1 015€, dos quais o trabalhador recebe 730 € líquidos e o Estado recolhe 285 €.
Todos estes valores, recorde-se, não incluem componentes como o subsídio de alimentação, que varia consoante a empresa.
Já num salário base médio de 1.143 € brutos, o trabalhador (se solteiro sem filhos) ganha 907 € líquidos, recebendo o Estado 507 €, ou seja, 36% do esforço total da empresa (1.414 €).
Já no caso de um salário alto de 2.286 € brutos (o dobro de um salário médio), o trabalhador leva para casa ao fim do mês 1.583 €, recebendo o Estado 1 246 €, ou seja, 44% do gasto total da empresa (2 829 €).
Finalmente, no caso de um salário muito alto de 3.429 € brutos (o triplo de um salário médio), a empresa gasta um total de 4.243 €, dos quais o trabalhador leva para casa 2.161 € e o Estado recolhe 2.083 € (ou seja, 49% de margem fiscal).
Impostos altos, salários baixos
Estes dados mostram um país em que a carga de impostos sobre o trabalho é mais elevada do que na maioria de outros países da OCDE. Mas o país é, também, dos que têm menores rendimentos.
Portugal é o quinto país da União Europeia com salário médio mais baixo face ao custo de vida (ou seja, em paridade de poder de compra).
Esta combinação de salários relativamente baixos e margem fiscal elevada afecta trabalhadores (que recebem menos) e empresas (que pagam mais), em benefício do Estado (que recolhe mais receita fiscal e para a Segurança Social). E tem impacto especial sobre os mais jovens, muitos dos quais têm emigrado:
Nos últimos 20 anos saíram do país cerca de 1,5 milhões de portugueses, sendo que, atualmente, 70% dos nossos emigrantes são jovens em idade ativa (entre os 15 e os 39 anos), o que faz com que um em em cada três jovens portugueses viva no estrangeiro.
E quanto custa aumentar salários?
A forma como empresas e trabalhadores olhar para a remuneração é diferente: tipicamente, os trabalhadores olham para os salários líquidos mensais, ao passo que as empresas olham para os encargos totais anuais.Se uma empresa quiser propor um aumento de salário líquido de um trabalhador, terá de aumentar bastante mais o bruto - e o total dos encargos. Quanto? Depende do nível salarial.
Desdobremos os quatro exemplos do quadro acima e apliquemos um aumento de 500 € líquidos para o trabalhador. Começando por um trabalhador que aufira o salário mínimo nacional de 820€ brutos:
Ou seja, para um trabalhador que ganha o salário mínimo passar de 730€ para 1230€ líquidos mensais, a empresa tem gastar mais 1032€, dos quais vão 500€ para o trabalhador e 532€ para o Estado. Ou seja, 52% do aumento dos encargos da empresa são destinados a IRS e contribuições para a Segurança Social.
Vejamos agora as mesmas contas para o salário base médio de 1.143 € brutos:
No caso do salário médio, em que o trabalhador recebe 907€ líquidos (se for solteiro, sem filhos, sempre sem contar com outras componentes como subsídio de alimentação), um aumento para 1.407€ custa à empresa mais 1.007 €, que se dividem em 500 euros para o trabalhador e 508 para o Estado - que assim recebe um pouco mais de 50% do aumento dos encargos.
Já no caso de um salário alto de 2.286 € brutos (o dobro do salário médios), um aumento custa o seguinte:
Neste caso, do aumento de 1.219 € mensais para a empresa, 500€ vão líquidos para o bolso do trabalhador e 719€ para os cofres do Estado. Ou seja, 59%.
Finalmente, vejamos a simulação para um salário muito alto de 3.429 € brutos (o triplo de um salário médio):
Neste último exemplo, se uma empresa quiser aumentar um trabalhador que ganha 2.161€ líquidos para 2.661€ líquidos, terá de gastar mais 1.272€ por mês, dos quais 500€ vão líquidos para o bolso do trabalhador e 772€ vão para os cofres do Estado - 61% do esforço adicional.
Estes exemplos mostram que, por regra, o maior beneficiário dos aumentos salariais não é o trabalhador - mas o Estado.
Fontes consultadas neste episódio
- Portugal é o oitavo país com maior peso de impostos sobre o trabalho. OCDE, abril de 2024. Disponível aqui.
- Tax wedge, definição. Conselho de Finanças Públicas, aqui.
- Salário mínimo de 820 € em 2024. Fonte: Governo de Portugal, aqui.
- “Em 2023, a remuneração bruta total mensal média por trabalhador aumentou, em relação a 2022, para 1.505 Euros (6,6%), a componente regular para 1 216 Euros (6,6%) e a componente base para 1.143 Euros (6,8%)”. Fonte: INE, com dados e definições dos conceitos usados, aqui.
- “Portugal é o quinto país da UE com salário médio mais baixo face ao custo de vida em paridade de poder de compra”. Fonte: Pordata, via Lusa.
- Cerca de 1,5 milhões de portugueses saíram do país nos últimos 20 anos. Fonte: Atlas da Emigração Portuguesa, do Observatório da Emigração.
- 70% dos emigrantes são jovens em idade ativa (15-39 anos): 1 em cada 3 jovens portugueses vive no estrangeiro. Fonte: estudo da Business Roundtable Portugal.
Agradecimentos: Business Roundtable Portugal
Pode ver mais episódios de As Pessoas Não São Números aqui.
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