O armazenamento hídrico não é suficiente para garantir o funcionamento seguro do sistema de energia elétrica, sendo ainda imprescindível recorrer às capacidades de regulação das centrais de ciclo combinado a gás natural.
Por trás do simples gesto de pressionar o interruptor e acender-se a luz está um complexo e altamente sofisticado sistema que torna possível esta ação e consequência, tão corriqueira que nos passa despercebida e à qual não ligamos importância. Este sistema é o sistema de energia elétrica, ou, na linguagem mais popular, mas imprecisa, a rede elétrica.
O sistema de energia elétrica tem por função abastecer os consumidores de energia elétrica, um bem imprescindível nas sociedades modernas. Para que isto seja possível, é necessário que os geradores – a gás natural, hídricos, eólicos, solares fotovoltaicos e outros, sejam ligados aos consumidores, agora sim, através de uma infraestrutura física – a rede, composta por linhas aéreas, cabos subterrâneos e transformadores, estes últimos com a função de assegurarem que a transmissão de eletricidade se faz em boas condições.
O sistema de energia elétrica tem de garantir que uma restrição fundamental é cumprida: em cada instante, a energia elétrica que está a ser consumida tem de ser produzida nesse mesmo instante, de modo a assegurar o equilíbrio de uma grandeza fundamental ao funcionamento seguro do sistema de energia elétrica – a frequência. Tradicionalmente, o consumo elétrico, ou a carga, tem sido considerado sagrado, isto é, tem de ser servido, pelo que são os geradores que são chamados a promover o encontro entre a produção e o consumo. Para isso, sofisticados e robustos sistemas de controlo regulam, em tempo quase real, a produção de modo a igualá-la ao consumo que está a ser verificado.
Seria bom que todas as centrais elétricas tivessem esta capacidade de regulação, essencial ao funcionamento seguro do sistema de energia elétrica. Mas, infelizmente, não é assim. As centrais de gás natural, que funcionam com um ciclo combinado de gás e vapor, têm esta capacidade, para o que se regula o volume de gás e de vapor que é encaminhado para as turbinas. As centrais hidroelétricas também possuem esta possibilidade, através da regulação da quantidade de água que faz mover as turbinas. As centrais eólicas e solares fotovoltaicas, cada vez com uma posição mais dominante nos parques geradores, não têm capacidade de regulação, porque não é possível regular os recursos naturais, sol e vento. Estas últimas centrais renováveis têm um benefício ambiental inquestionável, contribuem para a descarbonização do setor elétrico, aproveitam um recurso natural que é grátis, mas, para a operação segura do sistema de energia elétrica, têm a (enorme) desvantagem que foi apontada.
A esta hora perguntará o leitor: mas o problema não ficaria resolvido, ou, pelo menos, minorado, se a energia em excesso dos recursos naturais fosse armazenada nos períodos de menor consumo e restituída quando a carga do sistema fosse maior, assegurando, assim, o equilíbrio entre produção e consumo? Sim, e estamos a fazê-lo há muito tempo. A energia hídrica afluente em excesso aos aproveitamentos hidroelétricos é armazenada nas albufeiras e é aproveitada, mais tarde, quando necessária, movendo as turbinas hidráulicas. E não se pode aproveitar a energia hídrica já utilizada e bombeá-la outra vez para uma cota superior de modo a aproveitá-la outra vez? Pode e estamos a fazê-lo nos aproveitamentos hidroelétricos com bombagem. Estas, e outras, características únicas das centrais hidroelétricas fazem delas um instrumento de enorme valia na gestão do sistema de energia elétrica.
Então, mas, afinal, qual é o problema? O problema é que o armazenamento hídrico não é suficiente para garantir o funcionamento seguro do sistema de energia elétrica, sendo ainda imprescindível recorrer às capacidades de regulação das centrais de ciclo combinado a gás natural. Daí que algum ativismo climático que grita “morte ao gás natural” demonstre muita ignorância acerca dos motivos por que ainda precisamos de centrais de gás natural.
A boa notícia é que não estamos condenados a viver toda a vida com os malefícios ambientais do gás natural. Para substituir as capacidades de regulação das centrais de gás naturais precisamos de mais armazenamento, muito armazenamento, só assim se garante o funcionamento seguro do sistema elétrico. Mais armazenamento hídrico? Sim, mas os locais onde é possível instalar albufeiras já estão tomados e a instalação de novas centrais com armazenamento irá ser diminuta, no futuro.
Duas alternativas de armazenamento se perfilam como mais promissoras: as baterias e o hidrogénio. Atualmente já existe tecnologia de baterias que permite armazenar, e devolver posteriormente, grandes quantidades de energia elétrica, ao nível de um país, mas ainda é cara. Num futuro próximo, os preços vão baixar e esta tecnologia será competitiva. Produzir hidrogénio em eletrolisadores durante os períodos de baixo consumo, armazená-lo e reconvertê-lo, mais tarde, em energia elétrica, usando pilhas de combustível, também é caro e pouco eficiente. No entanto, ainda há caminho para a tecnologia avançar e os custos baixarem. Será uma alternativa a considerar a prazo mais longo do que as baterias.
Portugal tem de preparar o futuro sistema elétrico (quase?) 100% renovável. Para isso, a aposta nos sistemas de armazenamento é urgente, sendo fundamental que esse futuro (que é já amanhã) seja adequadamente planeado, instalando unidades de armazenamento de energia que serão essenciais para a operação segura do sistema de energia elétrica do futuro, num ambiente sem centrais de gás natural. É caso para perguntar: estamos à espera de quê?
Sistemas de armazenamento de energia na rede elétrica: Estamos à espera de quê? (sapo.pt)
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