Lançada em 2022, é a aplicação mais popular em Portugal. Porém, é um fenómeno que tem preocupado os especialistas.
Quando a Temu estreou um anúncio de 30 segundos, na final do Super Bowl, em fevereiro deste ano, a maioria dos norte-americanos nunca tinha ouvido falar da plataforma. A plateia foi invadida por olhares confusos com a promessa da marca chinesa. Ali seria possível “comprar como um multimilionário” — embora poucos afortunados sonhem com smartwatches a menos de 15€, por exemplo.
Daí em diante, a ascensão da Temu só pode ser descrita como meteórica: ultrapassou a principal rival, a Shein, mas também concorrentes como a Wish ou o Aliexpress. Lançada nos Estados Unidos em 2022, rapidamente se expandiu ao Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Europa. Atualmente, é a aplicação mais popular em Portugal: ocupa a primeira posição na categoria “Compras” da Apple Store e na Play Store, com uma classificação de 4,8 estrelas.
Todos os produtos têm gráficos a apontar para promoções — que, muitas vezes, indicam descontos de 90 por cento — com contagem decrescente ou uma tabela do custo da proposta ao lado. A fórmula repete-se. Durante a Black Friday do ano passado, a empresa foi apelidada “a talhante dos preços”.
No início, muitas pessoas pensaram que se tratava de uma fraude. E, embora não seja, existem muitos traços sinistros em torno deste negócio. “Recebe-se o que se paga. Mas as pessoas devem ter em mente que há uma razão para ser tão barato”, explicou Paul Haskell-Dowland, especialista em segurança cibernética, ao jornal “9News”. E são vários os riscos.
As preocupações com a privacidade
No início de novembro, um grupo de consumidores apresentou uma ação judicial coletiva contra a entidade, e a filial PDD Holdings, na qual afirmavam que a plataforma no tribunal federal do Illinois, nos EUA. Os arguidos afirmavam que a plataforma recolhe mais dados dos seus utilizadores do que o necessário. Trata-se ainda de uma quantidade maior quantidade do que a que divulga.
Em troca destes bens e preços baratos, a Temu lucra através dos dados das pessoas. A aplicação solicita cerca 24 permissões em cada dispositivo, incluindo o acesso às informações da sua rede Wi-Fi, Bluetooth, fotografias e vídeos, informações de contacto e detalhes de pagamento. Uma lista superior a outras alternativas.
No início deste ano, a aplicação já tinha sido suspensa temporariamente das lojas da Apple, quando o conglomerado descobriu que enganava os utilizadores. A falta de transparência estava ligada precisamente à forma como utilizavam estas informações. Porém, a empresa revelou que as preocupações foram resolvidas em julho e regressou.
O escrutínio levou a Temu a distanciar-se tanto da empresa-mãe como do país de origem. Atualmente, o site indica que a empresa foi fundada em Boston, nos Estados Unidos, onde está sediada atualmente. No entanto, especialistas continuam a afirmar que continuam a ser registadas “atividades de malware e spyware virulentas e perigosas nos dispositivos dos usuários”, pode ler-se no “Top Class Actions”.
Os contornos à lei das devoluções
O marketplace detalha todos os passos necessários para desencadear o processo de devolução na plataforma. Tudo começa com a indicação do motivo do retorno. No entanto, segundo a lei, “os consumidores não são obrigados a fazê-lo”, alerta a DECO Proteste, frisando que, após a primeira devolução, paga-se uma taxa de 3,50 euros deduzidos no valor do reembolso. “Ao realizar uma compra por 88 cêntimos, provavelmente não compensa pagá-la”, acrescenta.
Quanto ao reembolso, as normas implicam que este deve ser efetuado no prazo de 14 dias, sendo que o vendedor é obrigado a devolver o dobro do valor inicial, até 15 dias úteis. No entanto, a Temu também contorna esta medida e ultrapassa o prazo: “A depender da sua instituição financeira, os reembolsos podem levar de 5 a 14 dias úteis (até 30 dias) para serem creditados na sua conta de pagamento original”, está escrito no site da Temu.
Um esquema em pirâmide
“Estavam sempre a atirar-me à cara oportunidades de ganhar mais cupões, mas parecia sempre que tinha de fazer mais uma coisa, indicar mais um amigo, para finalmente receber o prometido. Parecia uma máquina de póquer digital”, revelou um consumidor australiano, ao “The Guardian”.
Desde o momento em que descarregam a aplicação, as pessoas são incentivadas a fazer com que os contactos descarreguem a aplicação em troca de brindes ou créditos na aplicação. Além de viciante, as recomendações raramente são suficientes para adquirir os artigos desejados pelos clientes.
Ainda assim, várias testemunhas relatam que graças aos prémios de referência, já conseguiram encomendar vários artigos gratuitamente. Muitos deles também descobriram o negócio por sugestão e, quando decidiram experimentar, tiveram os olhos assaltados por uma enorme roda da sorte, para receberem um cupão para usar na primeira compra. Por sua vez, este vem acompanhado de uma contagem decrescente para não perder a oportunidade.
Baixo custo e fraca qualidade
Outro dos cuidados a ter é que os produtos, provenientes de fora da União Europeia, não seguem as normas de qualidade e segurança exigidas pelas leis e padrões europeus. Pode haver problemas na distribuição, que implicam atrasos na entrega e a chegada de uma encomenda que não corresponde ao esperado.
Isto acontece também porque, ao contrário da Shein, que a primeira contrata diretamente os fornecedores para fazerem as encomendas, a Temu funciona apenas como uma ponte. A plataforma gere as listas, o marketing e a logística, enquanto os fabricantes fazem tudo o resto. E não há informações sobre a origem dos produtos.
Janis Wong, de 20 anos, conheceu o negócio através da tia, que tinha enviado um código de referência a vários familiares e amigos. Mais uma vez, a aposta na circularidade do negócio. Embora cética, decidiu experimentar a aplicação e encomendou um teclado sem fios por cerca de 35 dólares (aproximadamente 32€), sendo que normalmente está avaliado em 60 dólares (cerca de 56€).
Quando a encomenda chegou, decorridos dois dias, sentiu desilusão. “Algumas das teclas estavam lascadas e, por isso, algumas das palavras do teclado caíram”, explicou a jovem canadiana à CBC.
As experiências online vão-se acumulando, sendo que as opiniões positivas são engolidas pelos comentários negativos. Para compensar as críticas, o marketplace continua a apostar num modelo de negócio agressivo, o que justifica o lucro inacreditável. Anualmente, a empresa investe cerca de 2 mil milhões de dólares em anúncios nas redes sociais, banners e pesquisas pagas.
“Os aspetos psicológicos são bastante simples. Joga-se o jogo, obtêm-se recompensas e gratificação imediata – e depois não só se ganham os pontos, como também se pode ir comprar alguma coisa”, afirma Shreyas Sekar, professor assistente de operações na Universidade de Toronto. O que acontece é que, ao entrar neste mundo, muitas vezes os consumidores tornam-se peões no próprio jogo.
Quais são os riscos de fazer compras na Temu, a marca chinesa que bateu a Shein? – NiT
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