A personagem do Tio Sam, alcunha dada aos EUA, baseia-se numa pessoa real, embora a sua identificação seja fruto de uma historieta.
Seguramente poucos não reconhecem a personagem deste famoso cartaz: um homem com barbicha e expressão séria aponta para quem o observa, pressionando-o a juntar-se ao exército dos Estados Unidos da América. É o Tio Sam, uma personagem que personifica os EUA e cujo nome chegou a converter-se numa espécie de alcunha do país ou, mais especificamente, do seu governo.
Esta personagem existiu realmente, embora a sua identificação com os Estados Unidos da América seja fruto de uma historieta que tem, certamente, um fundo lendário. Além disso, o cartaz mais famoso é um plágio de uma versão anterior, que representava um oficial do Reino Unido.
QUem ERA o TiO SAM?
O Tio Sam histórico chamava-se Samuel Wilson. E quem era Samuel Wilson? Um fornecedor de carne que vivia em Troy, uma cidade do estado de Nova Iorque. Em 1781, quando a Guerra da Independência dos Estados Unidos se aproximava do fim, alistou-se no Exército Continental embora, devido à sua juventude – tinha então 14 anos – não tenha sido enviado para a frente de combate, mas encarregue de cuidar do gado. O exército levava consigo animais para dispor de carne fresca, o que implicava bastante trabalho: era necessário vigiá-los, construir cercas, garantir que o inimigo não os envenenasse, abatê-los e preparar a carne em rações para os soldados.
Retrato de Samuel Wilson.
Após a guerra, fez uma pequena fortuna, dedicando-se ao negócio da construção e, mais tarde, à indústria da carne. Juntamente com o seu irmão mais velho, Ebeneezer, abriu um matadouro situado nas margens do rio Hudson, uma localização ideal para embarcar a carne.
Em 1812 iniciou-se uma nova guerra entre os EUA e o Reino Unido pela posse das colónias britânicas no Canadá. Os irmãos Wilson tornaram-se fornecedores do exército dos EUA, graças à mediação de Elbert Anderson, o responsável pelo abastecimento de toda a carne necessária ao exército nos estados de Nova Iorque e Nova Jérsia.
DE VENDEDOR DE CARNE A SÍMBOLO do PAÍS
Foi durante essa guerra que surgiu a história que, supostamente, deu origem à personagem do Tio Sam. As rações deveriam ter uma etiqueta indicando a sua proveniência e as dos irmãos Wilson estavam marcadas com as siglas “E.A.-U.S”: "E.A." eram as iniciais de Elbert Anderson e "U.S." referia-se simplesmente aos Estados Unidos. No entanto, reza a lenda que um trabalhador de Anderson lhe perguntou quem era o tal U.S. e um colega respondeu-lhe, em tom de brincadeira, que se tratava do Tio Sam (Uncle Sam), numa referência a Samuel Wilson, um dos seus fornecedores.
O Tio Sam partilhava o protagonismo nas vinhetas com outras duas personagens: o Irmão Jonathan e Columbia.
Verdadeira ou não, a história foi a base para a criação da personagem do Tio Sam. No início, apareceu representado de várias formas, especialmente em vinhetas cómicas e partilhando o protagonismo com outra figura semelhante chamada Irmão Jonathan (Brother Jonathan). Com o passar do tempo, os seus papéis separaram-se: o Tio Sam passou a representar o governo, enquanto o Irmão Jonathan simbolizava o país em si. Outra personagem era Columbia, uma mulher com um gorro frígio inspirada no quadro A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix, que representa o povo dos Estados Unidos da América e serviu de modelo para a Estátua da Liberdade.
O quadro de Eugène Delacroix comemora a Revolução de Julho de 1830.
Foi o historiador político Thomas Nast que, nas décadas de 1860 e 1870, fixou a imagem do Tio Sam tal como a conhecemos: com a sua característica barbicha e o rosto parecido com o de Abraham Lincoln. As suas vestes variavam entre uma representação mais civil – da qual se destaca o seu chapéu de abas, embora no início não tivesse estrelas – e outra de cariz militar, envergando um uniforme de oficial. Em ambas figuravam, de alguma forma, as cores e os símbolos da bandeira dos Estados Unidos da América: vermelho, azul e branco, as barras e as estrelas.
o TIO SAM precisa de TI
No entanto, foi durante a Primeira Guerra Mundial que surgiu o famoso cartaz que fixaria definitivamente a imagem do Tio Sam. Foi desenhado por James Montgomery Flagg, ilustrador e historiador político, que criou o cartaz para o exército dos Estados Unidos da América em 1917, incentivando a população a alistar-se para combater com a mensagem: “Quero-te a ti para o exército dos EUA.” Flagg modificou o rosto do Tio Sam criado por Nast, tornando-o mais austero e acentuando as parecenças com Lincoln.
Da esquerda para a direita: a Alemanha, Itália, Inglaterra, Rússia e França preparam-se para dividir a China entre si, enquanto a Áustria, ao fundo, afia as suas tesouras. Em pé, o Tio Sam segura um tratado comercial imposto à China enquanto lhes diz: “Meus senhores, podem cortar este mapa à vontade, mas lembrem-se de que eu vim para ficar e não podem dividir-me em esferas de influência”.
A verdade é que este cartaz era um plágio e baseava-se num outro, muito semelhante, criado pelo artista gráfico britânico Alfred Leete em 1914. O cartaz original era um apelo do Secretariado de Estado Britânico para a Guerra e representava o seu secretário da altura, o oficial do exército Lord Kitchener, numa pose e mensagem muito semelhante. A imagem foi amplamente difundida e representada em muitos meios de comunicação, ao ponto de a mulher do primeiro-ministro – que aparentemente não nutria grande simpatia por Kitchener – ter dito: “Não é um grande homem, mas é um grande cartaz”.
O cartaz original de Alfred Leete, representando Lord Kitchener.
HISTóRIA DA PROPAGANDA
Actualmente, o cartaz original é considerado uma das obras de propaganda bélica mais influentes de todos os tempos, tendo sido copiada por diversos países, ideologias e causas, desde milícias anarquistas, durante a Guerra Civil Espanhola, até uma campanha de prevenção de incêndios florestais nos EUA, na qual um urso com chapéu de ranger aponta para o espectador dizendo-lhe: “Só tu podes prevenir os incêndios”.
Para além da imagem que o tornou famoso, o Tio Sam continua a ser uma personagem característica da propaganda governamental, sobretudo em tempos de guerra: em diversos cartazes aparece a incentivar os trabalhadores a esforçarem-se mais e a fazerem sacrifícios pelo seu país; mostrando um rosto mais austero ou mais simpático, consoante a ocasião, mas deixando sempre claro que te quer “A TI”, não vá o espectador fazer-se de desentendido.
O Tio Sam existiu? (nationalgeographic.pt)
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