Passou o prazo para um reembolso de dívida (em dólares) da gigante imobiliária chinesa. O pagamento continua sem ser feito. Unidade de veículos elétricos diz estar em graves dificuldades financeiras.
Bruno Roseiro analisa à sexta-feira a semana do Desporto, explica os bastidores dos grandes temas e lança os eventos dos próximos dias.
A Evergrande continua sem cumprir o pagamento que tinha de fazer até esta quinta-feira, que envolvia saldar os juros de uma obrigação emitida em dólares. Segundo várias fontes citadas por agências noticiosas como a Reuters, pelo menos alguns dos detentores desses títulos indicaram que continuam ser receber qualquer pagamento. E já nesta quinta-feira, a unidade de veículos elétricos veio reconhecer que está a confrontar-se com “graves insuficiências de fundos” e que “não há garantia de que será capaz de cumprir as suas obrigações financeiras“.
Essa é uma unidade que o conglomerado Evergrande está a tentar vender, perante o sufoco financeiro que se agravou nas últimas semanas. Para já, esse negócio (como outros que a Evergrande tem à venda( não está a atrair quaisquer interessados que poderiam dar ao grupo algum “balão de oxigénio” financeiro para tentar dar a volta à situação financeira extremamente difícil em que o conglomerado caiu.
Já foram suspensos os pagamentos de algumas despesas operacionais nessa unidade, segundo a agência Bloomberg, um sinal claro das dificuldades nesta área de negócio e um espelho do que se passa no resto do grupo.
Quanto à dívida do grupo, que tinha vencimento para quinta-feira, nesta tarde de sexta-feira a agência Dow Jones voltou a confirmar que os investidores continuam sem receber nada. Assim, deverá dar-se início a uma contagem de 30 dias, prevista nas regras destes títulos de dívida (após os quais será oficialmente declarado um “default“, ou seja, um incumprimento na dívida).
Esta quinta-feira, para tentar tranquilizar os mercados financeiros, Christine Lagarde, presidente do BCE, veio esta quinta-feira garantir que a “exposição direta” da Europa à gigante chinesa é “limitada”.
“Tenho memórias vivas dos últimos desenvolvimentos do mercado de ações na China, que tiveram um impacto em todo o mundo”, afirmou Lagarde, em alusão ao “verão quente” de 2015. Neste caso, porém, “na Europa e na área do euro em particular, a exposição direta seria limitada“, disse a responsável, em entrevista à CNBC. “No momento, o que estamos a ver é um impacto e uma exposição centrados na China“, acrescentou Lagarde, enquanto o BCE observa a situação de perto, dada a ligação dos mercados financeiros no planeta.
Apesar das garantias de Christine Lagarde, o final da semana está a ser negativo nas bolsas mundiais. O DAX 30 de Frankfurt está a cair 0,7% e a bolsa dos EUA também abriu moderadamente negativa, embora possa haver outros fatores em jogo como a incerteza em torno das eleições alemãs deste domingo ou a confirmação, nos EUA, de que a Reserva Federal acredita ter “em breve” condições para reduzir os estímulos monetários à economia.
Considerado entre as maiores fortunas da China, o presidente do grupo, Xu Jiayin, sublinhou na quarta-feira à noite que o grupo deve “fazer todo o possível para honrar” os seus compromissos. O reembolso previsto para esta quinta-feira era de 83,5 milhões de dólares em obrigações denominadas em dólares norte-americanos. Outros reembolsos significativos vão ter de ser feitos nos próximos dias. Ainda assim, de acordo com as regras em vigor, se o pagamento não for feito até ao final dos prazos, a empresa só será considerada (formalmente) em incumprimento 30 dias depois.
Segundo a imprensa financeira dos Estados Unidos, o poder central já pediu aos governos regionais para se “prepararem para a tempestade” que surgirá com uma possível falência. Entre os riscos a acautelar está a “instabilidade social”, isto é, protestos volumosos por parte de lesados que podem perder as poupanças que aplicaram na Evergrande – sejam ativos reais que podem perder valor ou, sobretudo, instrumentos financeiros que foram colocados no retalho com promessas de juros chorudos (até 13%), malas Gucci e purificadores de ar da Dyson. Foi dessa forma que se geraram os enormes fluxos de dinheiro, alheios à regulação bancária, que alimentam a chamada “banca-sombra” chinesa.
A Evergrande é uma das empresas mais endividadas do mundo, sentada numa “montanha” de créditos equivalente a 305 mil milhões de dólares, ou 260 mil milhões de euros. À medida que essas dívidas vão chegando à maturidade, está a ser cada vez mais difícil cumprir – a pressão financeira é “tremenda”, reconheceu a Evergrande, culpando os jornais e a imprensa pelas “notícias negativas” que estão a diminuir as vendas do grupo (e, presumivelmente, a tornar mais exíguas as entregas de dinheiro recebidas em troca dos produtos de investimento que distribui junto dos cidadãos).
Porém, uma sondagem feita esta semana pelo Deutsche Bank junto dos seus clientes, investidores institucionais, revelou na terça-feira que “apenas 8% dos inquiridos acreditam que a Evergrande poderá ter um impacto significativamente negativo para os mercados financeiros globais, com 68% a anteciparem “nenhum impacto ou um impacto limitado”.
Mas a Evergrande é um símbolo de um modelo económico que, para alguns economistas, tem os dias contados: construção excessiva e endividamento astronómico. Os problemas da empresa não são apenas seus, são o reflexo de um padrão de desenvolvimento desequilibrado – é no setor imobiliário chinês que se gera quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e, agora, esta atividade arrisca deixar de ser um motor de crescimento para ser um fardo.
“Continuamos a achar que a importância da Evergrande não está no facto de poder ser um gatilho capaz de desencadear uma crise sistémica mas, sim, na extrapolação preocupante que pode ser feita acerca das perspetivas de crescimento futuro da economia chinesa, com implicações para o crescimento global”, aponta a equipa de economistas do holandês Rabobank, liderada por Richard McGuire.
Edgar Caetano:
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