Este país esteve à beira da bancarrota na mesma altura de Portugal. Agora tem um problema diferente: dinheiro a mais
Opiniões dividem-se sobre a melhor forma de gastar o dinheiro. Agora ou no futuro? A Irlanda tem excedentes na casa dos 8.600 milhões de euros - mais do que 10 vezes acima da 'almofada' portuguesa para este ano. É um problema com que muitos países gostariam de lidar
Lembra-se dos anos da crise? Se não, regresse connosco até ao início do início da década de 2010. Foi nessa altura que três países europeus, à beira da bancarrota, saltaram para as bocas do mundo por precisarem de pacotes de resgate financeiro. E pelas medidas de austeridade que tiveram de adotar para lidar com eles.
Um deles sabe de certeza, até porque o sentiu na pele: Portugal, com um pacote de 78 mil milhões de euros. Antes disso, já a Grécia e a Irlanda tinham pedido a ajuda da chamada Troika: o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
Desde então, as comparações entre Portugal e a Irlanda são constantes. Só que agora os irlandeses estão a lidar com um ‘problema’ ligeiramente diferente: excesso de dinheiro. Com o terceiro ano consecutivo de excedentes orçamentais, acima dos oito mil milhões de euros, instala-se o debate: o que fazer ao excedente?
E as opiniões, naturalmente, dividem-se. Há economistas a defender que se trata de uma oportunidade única para fazer um investimento público nas necessidades mais urgentes para a população. Contudo, o governo - talvez algo escaldado com os fantasmas da austeridade - escuda-se na volatilidade das receitas fiscais e na necessidade de ter uma 'almofada' financeira que permita, no futuro, dar resposta a grandes desafios na área das pensões, alterações climáticas e infraestruturas.
'Almofada' dez vezes maior do que a portuguesa
Mais de uma década após a intervenção da troika, a Irlanda tem um problema que a maioria dos países gostaria de ter: dinheiro para gastar. Além do excedente orçamental na ordem dos 8.600 milhões de euros, há outro aspeto positivo a ter em conta: uma economia que cresceu cinco vezes mais rápido do que se esperava no ano passado.
Para efeitos de comparação, aqui vão as perspectivas para Portugal: para este ano está previsto um excedente orçamental de 664 milhões de euros, para o próximo ano aproxima-se dos 800 milhões. Ou seja, a 'almofada' da Irlanda é mais do que 10 vezes superior ao valor previsto em Portugal.
Parte do sucesso irlandês assenta no facto de o país se ter transformado no lar de grandes multinacionais, sobretudo farmacêuticas e tecnológicas. São esperadas receitas fiscais de 24,5 mil milhões de euros este ano. E é daí que partem também alguns receios de Dublin, que olha para este encaixe como temporário, volátil e sem grande margem para continuar a crescer ao ritmo atual - o que já levou inclusive a uma revisão em baixa dos números dos excedentes para os próximos anos.
O mesmo dinheiro, caminhos diferentes
Muitas têm sido as vozes, incluindo de especialistas, a defender que era tempo de aplicar estes sucessivos bónus nas contas públicas nas necessidades mais urgentes da população. E exemplos há muitos: habitação, infraestruturas de energia, sistema de saúde, sistema de transportes, combate à solidão, à ansiedade e à pobreza infantil.
“O problema da Irlanda não é ter dinheiro suficiente, é ter demasiado”, resume Gerard Brady, economista chefe na Ibec, citado pelo Financial Times. “Há uma necessidade gigante de investimento público e uma oportunidade única nesta geração para financiá-lo”, completa o economista David McWilliams, ouvido no mesmo artigo.
A expectativa é de que a proximidade às eleições, marcadas para 2025, possa ajudar a abrir um bocadinho mais os cordões à bolsa no orçamento do Estado que já está a ser preparado, com medidas cujos efeitos se fazem sentir diretamente no bolso dos contribuintes.
O governo, até agora, já prometeu incluir 6,9 mil milhões de euros em despesas e outros 1,4 mil milhões em medidas fiscais. São números que violam a regra auto-imposta de não aumentar os gastos acima de 5% ao ano, recorda o Financial Times.
Dublin - que não tem deixado de usar o dinheiro para renegociar a dívida pública ou apoiar medidas de resposta à covid-19 e à subida da inflação - tem, segundo os especialistas, uma visão mais a longo prazo: optou, por exemplo, por colocar mais de 100 mil milhões de euros em dois fundos soberanos até 2035 para responder a necessidades futuras no campo das pensões, alterações climáticas e infraestruturas.
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