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Os cientistas perfuraram um núcleo de gelo na Antártida e ficaram alarmados com o que encontraram


Degelo Antártida Ocidental (Universidade de Cambridge/British Antarctic Survey)

Alteração alarmante que teve lugar na Antártida há milhares de anos serve de prenúncio à futura subida devastadora do nível do mar a nível global

Provas retiradas de um núcleo de gelo com 2 mil pés (cerca de 609 metros) de comprimento revelam que o manto de gelo da Antártida Ocidental encolheu repentina e dramaticamente há cerca de 8 mil anos, de acordo com uma nova investigação que fornece uma visão alarmante sobre a rapidez com que o gelo da Antártida pode derreter e fazer subir o nível do mar.

Parte do manto de gelo diminuiu 450 metros – uma altura maior do que a do Empire State Building, em Nova Iorque – durante um período de apenas 200 anos no final da última Idade do Gelo, de acordo com o estudo publicado este mês no jornal especializado Nature Geoscience.

É a primeira prova direta de uma perda tão rápida de gelo em qualquer parte da Antártida, de acordo com os autores do estudo.

Embora os cientistas soubessem que o manto de gelo era maior no final da última Idade do Gelo do que é hoje, sabia-se muito menos sobre quando é que essa contração aconteceu, indica Eric Wolff, glaciologista da Universidade de Cambridge no Reino Unido e um dos autores do estudo.

Esta investigação veio mudar isso, diz à CNN. “Conseguimos dizer exatamente quando recuou, mas também com que rapidez recuou.”

Agora que é claro que a camada de gelo se retraiu e derreteu de uma forma muito rápida no passado, diz Wolff, o perigo é que isso possa novamente acontecer. “Se começar a recuar, isso vai acontecer de forma muito rápida”, acrescenta.

Tal pode ter consequências catastróficas para a subida global do nível do mar. O manto de gelo da Antártida Ocidental contém água suficiente para fazer subir o nível do mar em cerca de 5 metros, o que causaria cheias devastadoras em vilas e cidades costeiras por todo o mundo.

O estudo representa “um excelente exemplo de um trabalho de detetive” sobre uma parte substancial da camada de gelo da Antártida, diz Ted Scambos, glaciologista da Universidade de Colorado Boulder.

A mensagem-chave é que “a quantidade de gelo armazenada na Antártida pode mudar muito rapidamente – a um ritmo que tornaria difícil a sua gestão para muitas cidades costeiras”, diz à CNN.

Mapa mostra a localização do Skytrain Ice Rise, parte da plataforma de gelo Ronne de onde o núcleo de gelo foi retirado. (University of Cambridge/British Antarctic Survey)

Os núcleos de gelo são arquivos históricos da atmosfera da Terra. Compostos por camadas de gelo que se formaram à medida que a neve foi caindo e que se compactaram ao longo de milhares de anos, contêm bolhas de ar antigo bem como contaminantes que fornecem um registo das mudanças ambientais ao longo dos milénios.

O núcleo de gelo analisado no estudo foi perfurado no Skytrain Ice Rise, localizado na ponta do manto de gelo, perto do ponto onde o gelo começa a flutuar e se torna parte da plataforma de gelo Ronne.

Os cientistas extraíram-no em 2019, num processo meticuloso que envolveu perfurações constantes durante 40 dias, puxando um fino cilindro de gelo alguns metros de cada vez. Depois, cortaram o núcleo em várias partes, empacotaram-nas em caixas separadas a uma temperatura de -20 ºC, e enviaram-nas para o Reino Unido de avião e depois de navio.

Uma vez no Reino Unido, os cientistas mediram os isótopos da água do núcleo de gelo, que forneceram informação sobre a sua temperatura no passado. Temperaturas mais altas indicam gelo mais baixo – como numa montanha, explica Wolff, em que quanto mais alto se sobe, mais frio fica.

Os cientistas também mediram a pressão de bolhas de ar presas no gelo. O gelo mais baixo e mais fino contém bolhas de ar de maior pressão.

Na tenda de perfuração no Skytrain Ice Rise, os cientistas preparam a broca para a próxima perfuração no poço artesiano. (University of Cambridge/British Antarctic Survey)
Caixas isoladas com núcleos de gelo são carregadas no avião Twin Otter. (Eric Wolff)

Foi uma surpresa quando os dados revelaram o quão rápido o gelo derreteu no final da última Idade do Gelo, diz Wolff. “Na verdade, passámos muito tempo a verificar que não tínhamos cometido nenhum erro nesta análise.”

O manto de gelo da Antártida Ocidental é particularmente vulnerável às alterações climáticas, porque a terra debaixo dele está abaixo do nível do mar e tem uma inclinação descendente. Quando a água quente fica por baixo, a camada de gelo pode derreter muito rapidamente. “Pode haver um processo descontrolado e foi evidentemente isso que aconteceu há 8 mil anos”, diz Wolff.

O que torna estas descobertas tão alarmantes, diz Isobel Rowell, cientista especializada em núcleos de gelo do British Antarctic Survey e coautora do estudo, é que uma vez que o processo descontrolado acontece, “há mesmo muito pouco, se é que há alguma coisa, que possamos fazer para o travar”, diz à CNN.

Fundamental “é não levar os testes ao limite”, diz Wolff, e isso significa enfrentar as alterações climáticas. “Ainda podemos evitar estes pontos de inflexão”, defende.

Os novos dados vão ajudar a melhorar a exatidão dos modelos que os cientistas usam para prever como é que o manto de gelo vai responder ao aquecimento global no futuro, indica o relatório.

David Thornalley, cientista do clima e dos oceanos na Universidade College de Londres, diz que os dados do estudo são “impressionantes”. O especialista alerta que, como o estudo analisou um período há 8 mil anos, em que as condições climatéricas eram diferentes, os resultados não são um exemplo direto do que pode acontecer atualmente. Contudo, acrescenta, podem ainda assim oferecer uma “noção sobre a forma como as camadas de gelo podem colapsar”.

O estudo surge numa altura em que os cientistas continuam a fazer soar os alarmes quanto ao que está a acontecer no continente mais isolado da Terra.

Por exemplo, o glaciar Thwaites, também na Antártida Ocidental, está a derreter rapidamente. Um estudo de 2022 indicava que o Thwaites – apelidado de Glaciar do Juízo Final pelo impacto catastrófico que o seu colapso teria na subida do nível do mar – está pendurado “pelas unhas” à medida que o planeta aquece.

Este novo estudo vem aumentar as preocupações, diz Scambos. “Mostra que os mesmos processos a que estamos hoje a assistir, em áreas como o Glaciar Thwaites, já ocorreram antes em áreas semelhantes da Antártida e que, de facto, o ritmo do degelo foi igual ao dos nossos piores receios quanto a uma perda de gelo descontrolada." 


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