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A AD quer pôr o País a poupar à americana (e à britânica)



Portugal tem das mais baixas taxas de poupança. AD quer criar novos planos inspirados nos 401k dos EUA e as ISA do Reino Unido. Como funcionam? O Observador disseca uma medida por dia até 10 de março.


 “ISA accounts” e “401k“. Estes são dois termos estranhos à generalidade dos portugueses – exceto aqueles que tenham trabalhado no Reino Unido ou nos EUA. Mas são estes modelos que inspiraram uma medida que está no programa eleitoral da Aliança Democrática (AD), a criação de contas-poupança isentas de impostos. O Observador examinou os programas dos principais partidos que vão a votos a 10 de março e até ao dia das legislativas vai dissecar uma proposta por dia.


Em concreto, a AD propõe-se “adotar um regime em que certo nível de contribuições dos trabalhadores e das suas entidades empregadoras sejam livres de IRS, salvo se e quando forem distribuídas, pagas ou, de qualquer forma, apropriadas pelos respetivos titulares”. Por outras palavras, o conceito proposto passa por poder receber uma parte (limitada) do rendimento profissional sem ter de pagar imposto (IRS), assumindo que aquele dinheiro irá para uma conta-poupança específica com o objetivo de poupar para a reforma, por exemplo. O objetivo é estimular a poupança dos portugueses, que é das mais baixas da Europa.


O dinheiro que vai para essas contas-poupança poderia, depois, ser investido numa “grande diversidade de instrumentos”, com mais ou menos risco e com prazos de investimentos mais longos ou mais curtos. Além de poder beneficiar da valorização desses investimentos, os trabalhadores saberiam que “as contribuições e reinvestimentos destes proveitos não serão tributados“. E, se a poupança para a reforma é o objetivo mais óbvio (tal como acontece nas contas ISA e nos 401k), a AD abre a porta, no seu programa, a que esses fundos possam ser usados de outras formas, sem perder o benefício fiscal.


Uma dessas outras formas de utilizar o dinheiro é, diz a AD, na “amortização de crédito à habitação que onere a casa de morada de família“. Numa altura em que muitos portugueses, aqueles que têm créditos à habitação com taxa variável, estão confrontados com taxas de juro elevadas – sem certeza sobre quando estas poderão descer e a que velocidade irão descer – esta seria uma medida capaz de acelerar a capacidade que os portugueses têm de pagar os seus créditos à habitação de forma antecipada, reduzindo as prestações mensais e a “fatura” dos juros.


[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]


António Ribeiro, analista financeiro da DECO PROteste, acrescenta uma possível terceira vantagem para esta medida. Embora ainda não se saiba exatamente os contornos exatos que ela poderá ter, António Ribeiro admite que este pagamento isento de IRS irá “incentivar a criação de um fundo de emergência para as famílias e, dessa forma, evitar o recurso ao endividamento em períodos em que surgem imprevistos financeiros”.


“O facto de se isentar, por exemplo, até um determinado montante, permitiria usufruir de uma taxa líquida superior e assim incentivar a criação de uma poupança que servisse de reserva de curto e médio prazo”, afirma António Ribeiro – não sendo claro, porém, se seria possível beneficiar totalmente do benefício fiscal caso o dinheiro fosse usado em despesas de outra ordem, como gastos com saúde ou “almofada” em caso de perda do emprego, por exemplo.


É para essas situações – gastos imprevistos com saúde ou perda de rendimento – que os especialistas normalmente recomendam que as famílias tenham um fundo de emergência. A forma como a proposta está redigida no programa eleitoral da AD não parece abrir a porta a que nessas situações o dinheiro pudesse ser usado sem haver lugar a tributação. Porém, mesmo que houvesse impostos a pagar, esta medida poderia incentivar a que a “almofada” fosse, de facto, constituída – o que nem sempre acontece nas famílias.


“Um dos problemas das finanças das famílias é precisamente a não existência dessa poupança para imprevistos, o chamado fundo de maneio ou fundo de emergência”, remata António Ribeiro, da DECO PROteste.


Como funcionam as ISA accounts e os 401k

Na conferência de imprensa em que a AD apresentou as principais medidas do seu programa económico, Joaquim Miranda Sarmento defendeu que é necessário estimular a poupança no País, já que esta corresponde a “um valor muito baixo, na ordem dos 3% do PIB” e isso depois “tem impacto na capacidade de financiamento” da economia.


Para tentar atenuar este problema, Miranda Sarmento foi inspirar-se nas ISA accounts do Reino Unido e nos 401k, alcunha dada aos planos de poupança-reforma muito utilizados nos EUA. Os 401k são conhecidos por este nome por causa do número (401º) e da alínea (k) do código do imposto sobre o rendimento onde as regras estão definidas.


Em termos simples, a autoridade tributária norte-americana tem um esquema que permite às empresas oferecer contas-poupança com alguns benefícios fiscais, com o objetivo de incentivar as pessoas a poupar para a reforma – num mecanismo em que as empresas e os trabalhadores se tornam, em termos simples, sócios na preparação da reforma do trabalhador.


Essa ideia fundamental, de que as empresas e os trabalhadores têm ambos uma responsabilidade na poupança para a reforma, contrasta com o conceito que está na base dos PPR (planos poupança-reforma) que existem em Portugal, onde existe um benefício fiscal (apenas para o trabalhador) mas, na essência, é um esforço e uma responsabilidade que estão estritamente nas mãos do trabalhador.



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Há vários tipos de modelos de 401k mas o mecanismo mais simples e frequente é que alguém, quanto é contratado para um novo emprego, define um montante (ou uma percentagem) do vencimento que deve ser automaticamente transferido para o seu 401k. Esse montante que é usado para alimentar o plano de reforma é deduzido da coleta fiscal.


Um exemplo prático: alguém recebe um salário fixo de 100 mil dólares e, desse total, 10 mil dólares são colocados no 401k. Isso significa que, sem prejuízo de outras deduções, o rendimento coletável daquele trabalhador passa a ser de apenas 90 mil dólares por ano. O outro benefício fiscal é que a valorização que ocorrer nos investimentos feitos através daquela conta só irá ser sujeita a tributação na reforma. Com isso é possível beneficiar do montante total (não tributado) para acumular aquilo que Albert Einstein considerou a oitava maravilha do mundo: os juros compostos.


Em termos simples, os juros compostos são a rendibilidade que se expande à medida que o “bolo” acumulado cresce – mesmo que a taxa de juro nunca mude. Por exemplo, se alguém contribuir com 100 euros por mês para uma poupança, no final do primeiro ano a taxa de juro – por exemplo, 3% – vai ser calculada sobre 1.200 euros (12 meses vezes 100 euros). O juro (bruto) vai ser de 36,50 euros.


Porém, no ano seguinte, contribuindo sempre os mesmos 100 euros por mês à mesma taxa de 3%, o juro vai incidir sobre o “bolo” de 1.236.50 euros e, por isso, o juro já vai ser de 37,61 euros. À medida que os anos passam, este efeito matemático vai acelerar a acumulação de capital. E é por isso que, embora nos EUA exista tributação no momento do levantamento do 401k, o trabalhador beneficiou de ter todo o valor – bruto – do seu lado, potenciando ainda mais o ritmo de acumulação.


Existem outros tipos de 401k onde existe tributação durante as contribuições (e menos no levantamento), os chamados Roth 401k, mas o modelo tradicional é o mais usado. Além disso, há ainda modelos de 401k em que as empresas fazem um match, pelo menos parcial, do montante que o trabalhador contribui. Por exemplo, para conseguir recrutar um trabalhador, uma empresa pode dizer-lhe que por cada 1.000 dólares que aquele trabalhador contribuir para o seu 401k, a empresa acrescenta-lhes mais 500 dólares (um match de 50%), o que também envolve vantagens fiscais para a empresa.


Esta é uma modalidade com algumas limitações em pontos como os montantes máximos anuais e o número mínimo de anos que a pessoa tem de trabalhar na empresa para que o dinheiro seja realmente seu (o que também funciona como um incentivo à “lealdade” do trabalhador).


Os 401k têm montantes máximos anuais e o número mínimo de anos que a pessoa tem de trabalhar na empresa para que o dinheiro seja realmente seu (o que também funciona como um incentivo à lealdade do trabalhador).

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Já no Reino Unido, este tipo de programas ganhou o nome de ISA accounts, ISA sendo a sigla de “Individual Savings Account“, uma conta de poupança individual. As ISA accounts não têm uma relação tão umbilical com as empresas e com os rendimentos do trabalho como têm os americanos 401k. Funcionam mais como uma espécie de planos-poupança reforma com algumas regras especiais mas onde o dinheiro que lá é colocado não tem necessariamente de vir de um salário.


Em traços gerais, a ISA têm quatro tipos – com mais um quinto tipo, ligeiramente diferente – mas os dois mais comuns são os Cash ISA e os Stocks & Shares ISA. O primeiro pode ser comparado a uma conta-poupança normal, num banco, e o segundo assemelha-se mais a um fundo de investimento (em ações de empresas).


O dinheiro que o contribuinte poupa é colocado numa instituição financeira, como se fosse um depósito normal. A diferença face aos depósitos está, claro, nas isenções fiscais que a autoridade britânica disponibiliza – seja nos juros dos Cash ISA, seja nas mais-valias e dividendos nas Stock & Shares ISA.


O contribuinte só pode alimentar contas ISA de um tipo por cada ano fiscal, entre os Cash ISA e dos Stocks & Shares ISA. Porém, desde que não se ultrapasse as 20 mil libras de limite anual global, também pode investir nos Innovative Finance ISA (que fazem a ponte entre quem tem poupanças e quem precisa de crédito, dispensando a intermediação dos bancos) e os Lifetime ISA, que são uma forma de poupar para dois cenários: a compra da primeira casa ou para a reforma. Existem, ainda, um quinto tipo: os Junior ISA, que podem ser criados em nome de menores e se convertem num dos quatro tipos principais quando se chega aos 18 anos.


Entre todos estes, aqueles que têm vindo a crescer mais em popularidade são os Lifetime ISA, porque além das isenções fiscais o Estado britânico vai ajudar a alimentar essa aplicação financeira. O limite anual nos Lifetime ISA é de quatro mil libras, disponível para pessoas entre 18 e 39 anos, e o próprio Estado vai adicionar à contribuição máxima anual mais 25% (ou seja, até mil libras) – todo esse valor vai ser posto a render em benefício do contribuinte.


Os ISA mais comuns são os Cash ISA e os Stocks & Shares ISA. Mas aqueles que têm vindo a crescer mais em popularidade são os Lifetime ISA, porque além das isenções fiscais o Estado britânico vai ajudar a alimentar a aplicação financeira.

O dinheiro terá de ser usado numa de duas situações: compra de primeira casa (para viver lá, não para arrendar) ou reforma, caso contrário não só vão ser retirados os “bónus” pagos pelo Estado como ainda vai haver uma penalização. A única forma de não sofrer essa penalização por levantamento antecipado, fora das duas situações previstas, é se o contribuinte for diagnosticado com uma doença terminal.


Foram estes dois tipos de instrumentos – os norte-americanos 401k e os britânicos ISA – que inspiraram esta proposta da AD. A medida, apresentada por Joaquim Miranda Sarmento, é pensada especificamente para os rendimentos do trabalho, mas a AD admite que “poderá ponderar-se tratamento semelhante aos rendimentos prediais e de capitais” e, nesses casos, irá aplicar-se “o princípio de que, se [os valores forem] reinvestidos, continuam a não ser tributados”.


Uma medida por dia. A AD quer pôr o País a poupar à americana (e à britânica) – Observador


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