Graças à inflação, Finanças fecham 2023 com primeiro excedente orçamental em décadas, de 4,3 mil milhões de euros (em contabilidade de caixa). Ajuda a alcançar um excedente, também ele histórico, superior a 0,8% do PIB, em contas nacionais.
Pela primeira vez em muitos anos (mais de duas décadas, pelo menos), as contas públicas portuguesas terminaram o ano passado com um excedente orçamental, medido em contabilidade pública, ou de caixa, a que regista as receitas efetivamente recebidas ao longo do ano às quais subtrai as despesas efetivamente realizadas (o dinheiro que saiu).
Mas destaca-se o impulso enorme dado pela cobrança de receita nas Administrações Públicas (AP).
De acordo com uma nota enviada aos jornais pelo gabinete do ministro das Finanças, Fernando Medina, o governo diz que conseguiu obter, este ano, uma receita fiscal de 65,7 mil milhões de euros, mais 5,6 mil milhões do que previu no OE 2023 - Orçamento do Estado aprovado para 2023 (aprovado no final de 2022). É uma revisão em alta de mais 9,3% face ao orçamento original e inicial.
Um ano depois, no OE 2024, revelado em outubro passado, o Ministério das Finanças haveria de rever em alta a estimativa de receita fiscal de 2023 para 64,1 mil milhões de euros. Mesmo assim, em três meses, conseguiu superar essa última estimativa em mais 1,6 mil milhões de euros em impostos cobrados por toda a AP.
Perante esta enorme receita fiscal, o governo disse que iria devolver o excesso aos contribuintes.
Este sucesso da coleta fiscal tem sido explicado pela criação de emprego e pela manutenção deste em níveis máximos. Isso sustenta a receita em IRS e o consumo, que depois se reflete em muitos impostos indiretos como o IVA e o ISP. Em cima disto, a receita foi ainda muito ajudada pelo efeito inflacionista da crise.
Mas Medina disse que vai devolver boa parte às famílias no OE 2024. “Desce o IRS em mais de 1,7 mil milhões de euros, através da redução das taxas, da atualização dos escalões, do reforço do mínimo de existência, do alargamento do IRS Jovem ou do aumento das deduções das despesas com arrendamento”, acenou o ministro das Finanças num dos últimos debates parlamentares sobre o OE 2024.
Maior excedente de caixa de que há registo
Outra marca importante, ontem revelada pelo Ministério das Finanças é que o excedente final anual em 2023 (ajustado da operação extraordinária da integração do fundo de pensões da CGD, que fez empolar e distorcer muito a receita dita normal) traduz-se num saldo positivo de 4,3 mil milhões de euros, valor que compara com o défice global de 3,4 mil milhões de euros (também em contabilidade de caixa) apurado no final de 2022.
Em contabilidade de caixa, esta que vem do governo e das Finanças, deverá ser mesmo a primeira vez que o país entrega um saldo positivo global no final do ano, mostram as séries da Direção-Geral do Orçamento (DGO) e do Banco de Portugal (BdP) consultadas pelo Dinheiro Vivo (DV).
Já em contabilidade nacional, a que decorre do Tratado de Maastricht e que é observada pela Comissão Europeia, BCE, FMI, agências de ratings, etc., desde 1974, Portugal apenas registou um excedente anual nas contas públicas. Foi em 2019, com um saldo ligeiramente positivo na ordem dos 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
No ano passado, Portugal terminou com um défice baixo, de 0,3% do PIB, mas para este ano a ambição é bem maior: em outubro, Medina estimava chegar a um excedente histórico em democracia de 0,8% do PIB. Em dezembro, o Banco de Portugal, já na posse de mais dados e informação, dizia mais ainda: excedente de 1,1%.
Ora, com um excedente anual recorde e provavelmente único em décadas ao nível da contabilidade de caixa, é bem provável que este se traduza num excedente (lógica de Maastricht) muito mais elevado, talvez mais de 0,8% como diz o banco central governado por Mário Centeno.
O que nos diz a execução de 2023
Segundo a mesma fonte oficial das Finanças, "na ótica da contabilidade pública, as Administrações Públicas registaram um saldo orçamental ajustado positivo de 4.330 milhões de euros em 2023".
Como referido, abate à receita, os cerca de 3 mil milhões de euros que entraram como receita na Caixa Geral de Aposentações (Estado) com a transferência do Fundo de Pensões da Caixa Geral de Depósitos, ficando agora o Estado responsável por pagar as pensões dos reformados do banco público, os atuais e os futuros.
Segundo as Finanças, "o valor de final de ano [do saldo orçamental] diminuiu em relação ao registado em novembro (redução de 2.057 milhões de euros), mas manteve-se em terreno positivo ao contrário do que aconteceu em 2022".
"As Administrações Públicas fecharam 2022 com um défice de 3.437 milhões de euros, em contabilidade pública. Comparando com 2022, em termos homólogos e ajustados, o aumento de 7,7 mil milhões de euros no saldo (que, como referido, passou de défice a excedente histórico), resulta de "uma melhoria da receita efetiva de 12,1% – em grande parte fruto da resiliência do mercado de trabalho tanto em volume de emprego como no crescimento das remunerações (+13,6% de IRS e +10,7% de Contribuições Sociais)", diz a mesma fonte oficial das Finanças.
O aumento significativo da receita mais do que acomodou "um aumento da despesa efetiva de 9%, ajustado das medidas extraordinárias (traduzindo a redução do volume de medidas relacionadas com a Covid-19 e o montante significativo de medidas adotadas para mitigação impacto do choque geopolítico)".
"As medidas associadas ao choque geopolítico ascenderam a 2.835 milhões de euros. Deste montante, 1.209 milhões de euros são medidas com impacto no lado da despesa, destacando-se o apoio extraordinário às famílias mais vulneráveis, incluindo o apoio para crianças e jovens, e o apoio a setores de produção agrícola".
Do lado da receita, as medidas contra a crise geopolítica valem "cerca de 1.627 milhões de euros, com destaque para as de redução de tributação sobre combustíveis e alimentos", dizem as Finanças.
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