Avançar para o conteúdo principal

Porque é surrealista a votação deste domingo na Venezuela

Oposição afastada, pressões sobre funcionários e pensionistas e possibilidade de se votar duas vezes. Eis o retrato das eleições para a Assembleia Constituinte venezuelana que decorreu este domingo, marcada por incidentes nas ruas que, para já, causaram nove mortos

Há algo de realismo mágico nestas eleições venezuelanas que um Garcia Marquez não teria desdenhado como tema. De facto, na votação para a Assembleia Constituinte, convocada para este domingo pelo presidente Nicolás Maduro, só há uma possibilidade de escolha, já que a oposição se recusou a participar. A votação é electrónica mas as máquinas não estão programadas para aceitar o voto branco. E cada eleitor pode, em plena legalidade, votar duas vezes…

Esta votação peculiar serve, para além de reforçar os poderes de Maduro, que perdeu as eleições legislativas de Dezembro de 2015, também para medir forças com a oposição que, a 16 de Julho e com a cobertura da Assembleia Nacional, promoveu um referendo à margem do chavismo no qual votaram 7,1 milhões de pessoas (comparáveis à votação nas eleições legislativas de 2015: 7,7 milhões para a oposição e 5,7 para o chavismo).

Embora realizado em condições precárias, o referendo oposicionista teve uma participação que inevitavelmente será comparada com a deste domingo. A 17 de Julho, a oposição, além de instalar mesas de voto em toda a Venezuela, mesmo em regiões de maioria chavista, alargou a votação à diáspora venezuelana promovendo-a em 559 cidades de 101 países, incluindo as principais capitais da Europa e de toda a América Latina, mas também em Maputo (Moçambique), Durban (África do Sul) e Arequipa (Peru).

EM BUSCA DO PODER PERDIDO
Maduro, que está em minoria na Assembleia Nacional, quer substituí-la por uma Assembleia Constituinte com poderes para rever, não só a lei fundamental (datada de 1999 ainda do tempo de Hugo Chavez), como o funcionamento de todas as instituições e da economia do país. “Será o grande poder de que precisamos para meter a Venezuela na ordem. Precisamos de um poder acima dos que sabotam o desenvolvimento do país” e esse voto, garantiu o presidente, “será directo, universal e secreto”. Sê-lo-á?

PARTIDOS NÃO ENTRAM… SE FOREM DA OPOSIÇÃO
A nova assembleia eleita este domingo tem 545 membros que deverão tomar posse a 2 de Agosto, substituindo os deputados eleitos nas legislativas de Dezembro de 2015. A duração do seu mandato não está definida. Só 6 120 dos 50 000 candidatos foram aceites, isto porque as regras fixadas por Maduro e aplicadas pela comissão eleitoral proibiram candidatos ligados a partidos. No entanto não faltam elementos do PSUV (partido do poder) desde o deputado Diosdado a Adan Chavez, irmão do falecido Hugo Chavez.

UMA ESTRANHA FORMA DE ELEIÇÃO
Dos referidos 545 elementos, 364 representam os municípios, à razão de um eleito por cada, excepto nas capitais dos estados federados que elegem dois, independentemente da sua população. 173 representam as “organizações sociais” (trabalhadores, estudantes, reformados, deficientes, chefes de empresa, etc) e oito as comunidades indígenas. Neste sistema, decalcado do corporativismo, cada eleitor pode votar duas vezes: uma no seu círculo eleitoral (município) e outra pela corporação a que pertence…

O voto será electrónico mas as máquinas não estão programadas para lidar com o voto branco. E junto às mesas de voto, representantes das ditas corporações anotam quem foi e não foi votar, o que pode implicar retaliações sobre funcionários públicos, pessoas dependentes da distribuição de ajudas alimentares estatais, etc.

OPOSIÇÃO BOICOTA ELEIÇÕES
Perante tudo isto a oposição diz não estarem reunidas condições mínimas de democraticidade e apelou ao boicote, marcado por incidentes que fizeram nove mortos. E lembra que a convocação de eleições constituintes – que estas objectivamente são – teria que ter sido precedida por um referendo, coisa que não foi. De resto, nem as eleições para governadores de estado previstas para o ano passado, nem as eleições municipais deste ano se realizaram, entre outras coisas porque o governo sabe que se tornou minoritário no eleitorado nacional. Se puder, Maduro também tentará adiar as eleições presidenciais previstas para o ano que vem…

http://expresso.sapo.pt/internacional/2017-07-30-Porque-e-surrealista-a-votacao-deste-domingo-na-Venezuela

Comentários

Notícias mais vistas:

Constância e Caima

  Fomos visitar Luís Vaz de Camões a Constância, ver a foz do Zêzere, e descobrimos que do outro lado do arvoredo estava escondida a Caima, Indústria de Celulose. https://www.youtube.com/watch?v=w4L07iwnI0M&list=PL7htBtEOa_bqy09z5TK-EW_D447F0qH1L&index=16

Armazenamento holográfico

 Esta técnica de armazenamento de alta capacidade pode ser uma das respostas para a crescente produção de dados a nível mundial Quando pensa em hologramas provavelmente associa o conceito a uma forma futurista de comunicação e que irá permitir uma maior proximidade entre pessoas através da internet. Mas o conceito de holograma (que na prática é uma técnica de registo de padrões de interferência de luz) permite que seja explorado noutros segmentos, como o do armazenamento de dados de alta capacidade. A ideia de criar unidades de armazenamento holográficas não é nova – o conceito surgiu na década de 1960 –, mas está a ganhar nova vida graças aos avanços tecnológicos feitos em áreas como os sensores de imagem, lasers e algoritmos de Inteligência Artificial. Como se guardam dados num holograma? Primeiro, a informação que queremos preservar é codificada numa imagem 2D. Depois, é emitido um raio laser que é passado por um divisor, que cria um feixe de referência (no seu estado original) ...

TAP: quo vadis?

 É um erro estratégico abismal decidir subvencionar uma vez mais a TAP e afirmar que essa é a única solução para garantir a conectividade e o emprego na aviação, hotelaria e turismo no país. É mentira! Nos últimos 20 anos assistiu-se à falência de inúmeras companhias aéreas. 11 de Setembro, SARS, preço do petróleo, crise financeira, guerras e concorrência das companhias de baixo custo, entre tantos outros fatores externos, serviram de pano de fundo para algo que faz parte das vicissitudes de qualquer empresa: má gestão e falta de liquidez para enfrentar a mudança. Concentremo-nos em três casos europeus recentes de companhias ditas “de bandeira” que fecharam as portas e no que, de facto, aconteceu. Poucos meses após a falência da Swissair, em 2001, constatou-se um fenómeno curioso: um número elevado de salões de beleza (manicure, pedicure, cabeleireiros) abriram igualmente falência. A razão é simples, mas só mais tarde seria compreendida: muitos desses salões sustentavam-se das assi...