Esta nova forma "einstein” consegue fazer algo que mais nenhuma outra consegue
A descoberta inspirou interpretações artísticas, colchas de malha, cortadores de biscoitos, explicadores no TikTok e até mesmo uma piada num dos monólogos de abertura do programa do Jimmy Kimmel
Um problema de geometria que tem intrigado os cientistas há 60 anos terá sido resolvido por um matemático amador com uma forma com 13 lados recentemente descoberta.
Chamada "o chapéu" porque se assemelha vagamente a um chapéu do estilo fedora, a forma elusiva é um "einstein" (do alemão "ein stein," ou "uma pedra"). Isso significa que pode cobrir completamente uma superfície sem nunca gerar um padrão repetido – algo que ainda não tinha sido conseguido com uma única peça.
"Estou sempre à procura de uma forma interessante, e esta era mais do que isso", diz David Smith, o seu criador e um técnico de impressão reformado do norte de Inglaterra, numa entrevista telefónica. Logo após descobrir a forma, em novembro de 2022, contactou um professor de matemática e mais tarde, com dois outros académicos, lançaram um artigo científico autopublicado sobre o assunto.
"Não gosto muito de matemática, para ser honesto – fi-la escola, mas não me sobressaía", diz Smith. Foi por isso que envolvi estas pessoas, porque não havia maneira de ter feito isto sem eles. Descobri a forma, o que foi um pouco de sorte, mas também fui eu a ser persistente".
Passar de 20.426 para um
A maioria dos papéis de parede ou mosaicos no mundo real são periódicos, o que significa que se pode identificar um pequeno padrão que é constantemente repetido para cobrir uma superfície inteira. "O chapéu", contudo, é uma peça aperiódica, o que significa que ainda pode cobrir completamente uma superfície sem quaisquer lacunas, mas nunca se pode identificar qualquer padrão que se repita periodicamente para o fazer.
Fascinados com a ideia de que tais conjuntos de formas aperiódicas poderiam existir, os matemáticos começaram por refletir sobre o problema no início dos anos 60, mas no início acreditava-se que estas formas eram impossíveis. Isso acabou por se provar errado, porque em poucos anos foi criado um mosaico de 20.426 peças que – quando utilizadas em conjunto – conseguiam cumprir esse objetivo. Esse número foi rapidamente reduzido para pouco mais de 100, e depois para seis.
Na década de 1970, o trabalho do físico britânico e prémio Nobel Roger Penrose reduziu ainda mais o número de formas de seis para duas, num sistema que desde então tem sido conhecido como o "Mosaico de Penrose". E foi aí que as coisas ficaram paradas durante décadas.
Smith interessou-se pelo problema em 2016, quando lançou um blogue sobre o assunto. Seis anos mais tarde, no final de 2022, pensou que tinha ultrapassado Penrose na procura do “einstein”, pelo que entrou em contacto com Craig Kaplan, professor na Escola de Ciências Informáticas da Universidade de Waterloo, no Canadá.
"Do meu ponto de vista, isto começou com um e-mail vindo do nada", diz Kaplan numa entrevista telefónica. "David sabia que eu tinha publicado recentemente um artigo descrevendo um software que o poderia ajudar a compreender o que se passava com o mosaico".
Com a ajuda do software, os dois aperceberam-se de que tinham descoberto algo.
Como funciona “o chapéu”
Não há nada de intrinsecamente mágico no “chapéu", de acordo com Kaplan.
"É realmente um polígono muito simples de descrever. Não tem ângulos estranhos ou irracionais, é basicamente algo que se obtém cortando hexágonos". Por essa razão, acrescenta ele, pode ter sido "descoberto" no passado por outros matemáticos que criaram formas semelhantes, mas simplesmente não pensaram em verificar as suas capacidades para formar mosaicos.
A descoberta criou um grande alvoroço desde o seu lançamento em finais de março. Tal como Kaplan salienta, inspirou interpretações artísticas, colchas de malha, cortadores de biscoitos, explicadores no TikTok e até mesmo uma piada num dos monólogos de abertura do programa do Jimmy Kimmel.
"Penso que pode abrir algumas portas", diz Smith, "tenho a sensação de que teremos uma maneira diferente de procurar este tipo de anomalias, por assim dizer".
A forma está disponível publicamente, mesmo para impressão em 3D, e não vai ser protegida por direitos de autor.
"Não estamos a tentar protegê-lo de forma alguma", diz Kaplan. "Pertence a todos, e espero que as pessoas a utilizem em todo o tipo de conteúdos decorativos, arquitetónicos e artísticos".
E os azulejos de casa de banho? "Só posso esperar que venhamos a ver muitas casas de banho decoradas com esta forma, mas vai ser um pouco complicado", acrescenta ele. "Uma das razões pelas quais usamos azulejos periódicos em locais como casas de banho é porque a regra sobre como colocá-los é bastante simples. Com isto, coloca-se um desafio diferente – poderíamos começar a colocá-lo e a encaminhar-nos para um canto onde criámos um espaço que não conseguimos preencher com mais chapéus."
Revisão futura pelos pares
Longe de estar contente por ter reescrito a história da matemática, Smith já descobriu uma "sequela" para "o chapéu". Chamada "a tartaruga", a nova forma é também um “einstein”, mas é constituída por dez secções, em vez de oito, e, portanto, maior do que "o chapéu".
"É um pouco viciante", confessa Smith sobre a sua constante procura de novas formas.
O artigo científico sobre "o chapéu", com coautoria de Joseph Myers, um programador de software, e Chaim Goodman-Strauss, um matemático da Universidade do Arkansas, ainda não foi revisto pelos pares – o processo de verificação por outros cientistas que é comum nas publicações científicas – mas sê-lo-á nos próximos meses.
"Estou realmente ansioso por ver o que vai resultar desse processo", diz Kaplan, reconhecendo que isso poderá significar que as descobertas poderão ser contestadas. "Acredito firmemente na importância da revisão pelos pares como forma de conduzir a ciência. Assim, até que isso aconteça, concordo que há razões para ainda não termos a certeza. Mas, com base nas provas que juntámos, é difícil imaginar uma forma de podermos estar errados."
A descoberta, uma vez confirmada, poderá ser significativa noutros campos de investigação, segundo Rafe Mazzeo, professor no departamento de matemática da Universidade de Stanford, que não esteve envolvido no estudo.
"Os mosaicos têm muitas aplicações em física, química e muito mais, por exemplo no estudo de cristais", diz ele num e-mail. "A descoberta de mosaicos aperiódicos, há muitos anos, criou uma comoção, uma vez que a sua existência era tão inesperada.”
"Esta nova descoberta é um exemplo surpreendentemente simples. Não existem técnicas uniformizadas conhecidas para encontrar novos mosaicos aperiódicos, pelo que isto envolveu uma ideia realmente nova. Isso é sempre excitante", acrescenta ele.
Mazzeo diz que também é maravilhoso ouvir falar de uma descoberta matemática que é tão fácil de visualizar e explicar: "isto ilustra que a matemática é ainda uma disciplina em crescimento, com muitos problemas que ainda não foram resolvidos".
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