Depois de marcar novas negociações com o Ministério da Educação, o secretário-geral da Fenprof falou com o NOVO sobre os problemas da classe docente, garantindo que muitos dos que tiveram tempo de serviço congelado temem não ter com que pagar um lar.
A reunião com o ministro da Educação, na qual se marcou uma nova ronda negocial para 5 de Abril, superou as suas expectativas, até por não serem muito elevadas?
Não. Esperávamos que, depois de um processo de negociação dos concursos de recrutamento e colocação de professores que não terminou com acordo, apesar de reconhecermos alguns avanços, o Governo tivesse percebido que não se exige que a carreira dos professores seja valorizada, que os valores das remunerações sejam maiores. Exige-se que se cumpra o que ali está, Para isso é fundamental que os professores sejam enquadrados na carreira de acordo com o tempo de serviço que cumpriram a trabalhar. Na reunião esperávamos que surgisse a disponibilidade de avançarmos para a contagem integral do tempo de serviço, como acontece na Madeira e nos Açores. Esperávamos até que o Ministério propusesse um faseamento mais longo do que consideramos adequado, mas ainda assim havia abertura para aceitar, tendo em conta a a capacidade financeira do país.
E o que aconteceu?
Havendo professores que perderam só em congelamento, seis anos, seis meses e 23 dias, e ainda tempo de serviço entre transições de estruturas de carreira em 2007 e em 2010, que chega a seis anos de serviço, o Ministério vem propor que alguns professores, de todo esse tempo, que são quase 12 anos, recuperem um ano. Em relação aos outros, o Ministério da Educação isenta-os da vaga no 5.º e 7.º escalões, em que muitos já ficariam dispensados de vaga por ter avaliação bom ou excelente, mas não recupera nem um dia. Pior do que isso, só zero. Foi pouco acima e os professores já começaram a reagir
À entrada da reunião avisou que as assimetrias poderiam ser aprofundadas. Foi o que aconteceu?
Dissemos à saída que isto é o mesmo que termos metido um pé numa poça e, para tirarmos, meter lá o outro. Há assimetrias que não vão ser resolvidas porque há 54 mil professores que estavam nos quadros e na carreira quando se deu o congelamento, em 2011, e foram ultrapassados por colegas com menos tempo de serviço que entraram nesse período. Esses foram bem enquadrados na carreira, os outros é que não poderiam ter ficado para trás. É até uma inconstitucionalidade.
Foi um dos temas da reunião?
Pensávamos que seria uma das assimetrias em cima da mesa para corrigir, mas o Ministério nem passou por aí. Há outros casos, de colegas que penaram para chegar a escalões de topo, que não recuperaram um dia de serviço e era justo que todo o tempo de serviço que não recuperaram pudesse relevar para despenalização da idade na aposentação ou majoração da pensão. Calculamos que haja professores até aos 30 anos de serviço que podem vir a ter pensões na ordem dos 700 a 900 euros. Quando as pessoas reclamam a contagem integral do tempo de serviço e o seu reposicionamento claro que estão a pensar no imediato, para compensar o que não tiveram de actualização de salário. Mas também no futuro. Costumo dizer nas reuniões que, tendo em conta a pensão de aposentação do professor daqui a 15 anos, eventualmente não dá para pagar um lar.
Há insensibilidade social da parte deste ministro?
Da parte do ministro e do Governo. Alguns governos foram corrigindo problemas da carreira e mantendo a paridade com os técnicos superiores. Este ministro tentou, durante a primeira meia hora da reunião dizer que os professores eram uns privilegiados e que 16% estão no escalão de topo. Mas esquece-se de dizer que 22% têm mais de 60 anos. E nem todos os que têm mais de 60 anos conseguiram atingir o escalão de topo, pois o tempo de serviço não lhes está a ser contado.
Como se sentem os professores?
Muitos sentem-se indignados e revoltados porque deram o seu melhor nos congelamentos, nos cortes nos salários e no ensino à distância com os confinamentos. Sentem que, com todo o esforço que vão sempre fazer, quando chega o momento do reconhecimento podem levar umas palmaditas, mas depois levam palmadonas quando chega a necessidade de valorização da profissão e da melhoria das condições de trabalho. E isso afasta os jovens da profissão. Quase 15 mil jovens professores profissionalizados saíram e vamos ver se regressam, mesmo havendo lugares. Para o futuro do país é complicado, porque sem professores qualificados nas escolas é a qualidade do ensino que vai ficar em causa também.
Chegaremos a um ponto em que será preciso “importar” professores do Brasil, Angola ou Cabo Verde?
Não faço ideia. O Conselho Nacional de Educação provou que, no ano anterior, cerca de 27 mil alunos não estiveram os professores todos. Entretanto, neste segundo período lectivo, temos entre 30 a 35 mil alunos sem os professores todos. Este número não dispara mais porque o Ministério contratou mais 60% de diplomados não profissionalizados, alguns deles jovens que acabaram os cursos e não tinham emprego, para disfarçar a falta de professores.
O problema vai agravar-se?
Sim. No ano passado, foram 2.401 a aposentar-se e entraram sensivelmente 1.200 nos cursos de professores. Este ano, até ao final de Março, 742 saíram, prevendo-se cerca de 3.500 até ao final do ano, e o número irá sempre a subir até ao final da década. Se vão ter de importar professores não sabemos, mas sabemos que anteriores governos foram completamente irresponsáveis. Lembro-me de Pedro Passos Coelho aconselhar os professores a emigrar, de António Costa, há quatro anos, em Paris, no Dia de Portugal, dizer que era uma boa oportunidade irem para lá dar aulas aos filhos dos emigrantes. Foi-se sempre desvalorizando a falta de professores que já se começava a notar.
Tal como sucede com os médicos, poderá haver necessidade de ir buscar professores reformados?
Espero que não e vou dizer porquê. Um dos problemas da nossa profissão é o envelhecimento. Sabendo nós que a aposentação se dá quase aos 67 anos, seria muito complicado. Mas, mesmo que o governo abra tal possibilidade, um dos anseios maiores de quem está no activo é que chegue o dia da aposentação. Os professores quase fazem risquinhos na parede para ver quanto tempo falta. Não tenho ideia que, se formos por aí, seja significativo o número dos que querem voltar. Num inquérito que fizemos, em parceria com a Universidade Nova de Lisboa, o principal anseio de boa parte dos que estão a trabalhar é poderem aposentar se.
É mau sinal, acima de tudo.
Quando estão no trabalho, com os alunos, dão tudo o que têm e percebem que têm de o fazer de uma forma competente. Mas em vez de o fazerem com o prazer de quem está a exercer a profissão de que gosta, fazem com esforço, porque se sentem cansados, desrespeitados e com vontade de sair. Mas não podem, pois não são propriamente jovenzinhos para terem alternativas. Este esforço faz com que os níveis de stress e de burnout disparem. Como mais de 50% já ultrapassaram os 50 anos e 22% são sexagenários, quando o Ministério da Educação diz que há dois mil e tal professores de baixa, falamos numa taxa de 1,5% ou 1,8%, pois somos mais de 100 mil. Ora, numa profissão que tem 22% de pessoas com mais de 60 anos e 2% de baixas, é de dizer que fortes sexagenários são estes que por aqui andam.
Há um risco de a recuperação integral do tempo de serviço ser vista como uma utopia?
Não sei porquê, porque está acontecer na Madeira e nos Açores, nesse caso com ligeiro avanço: os primeiros dois anos, quatro meses e dois dias que tinham sido congelados foram recuperados antes dos últimos sete anos voltarem a congelar. E penso que é já no próximo ano que vai terminar a recuperação, com a Madeira no ano seguinte. E os valores não são incomportáveis, como o Governo gosta de dizer. A Associação Nacional dos Dirigentes Escolares fez um estudo do impacto financeiro e, se o tempo de serviço fosse recuperado integralmente, isso daria, nos três primeiros anos, um aumento da massa salarial global dos docentes na ordem dos 3,7%, e a partir do quarto ano, e nos sete seguintes, um decréscimo de 7,3%. Muita gente atingiria o topo, mas também sairia para a reforma, sendo substituída por jovens que nem cá estavam quando foram os congelamentos. O Ministério das Finanças disse, há dias, que se a recuperação fosse imediata seriam 331 milhões de euros, um valor significativo, mas abaixo do que se vê de desperdícios neste país. Mas temos manifestado total disponibilidade para o fazer de forma faseada. Propusemos ao Ministério que fosse até ao final da legislatura, pois não nos compete propor que assuma compromissos além do tempo em que cá está. Esse faseamento e a progressão de quem vai recuperando tempo de serviço joga-se em simultâneo com a saída dos que estão nos últimos escalões para a aposentação. Uma coisa compensaria a outra, mas o Ministério e o Governo nem sequer querem fazer as contas.
Uma sondagem recente da Intercampus indicava que 60% dos portugueses concordam com a luta dos professores. Acredita que o apoio continuará tão elevado se novas greves puserem em causa o ano lectivo?
No fim de semana tivemos uma sondagem de uma televisão que dava 70% de apoio, e uma mais recente da Intercampus, que dava 72%. A Fenprof não está sozinha. Estamos numa convergência de nove organizações sindicais, que até agora tiveram um dia de greve, a 2 de Novembro, um dia de greve por distrito, e um terceiro dia no âmbito das greves da administração pública. Temos previsto um dia de greve novamente numa ronda distrital - veremos se o dia inteiro ou não - e uma no 6/6/23, que é simbólico pelos seis anos, seis meses e 23 dias - calha bem o ano ter esse dia. E veremos no fim do ano lectivo. Os professores não deixaram de dar aulas. Têm compensado os dias de greve no trabalho com os alunos e nas matérias. É verdade que há uma outra greve continuada [do STOP] que começou em Dezembro, mas os valores de participação dos professores nessa greve são reduzidos ou até nulos na maior parte das escolas - não é daí que decorre prejuízo nas aprendizagens. As pessoas incentivam-nos e dizem para não desistirmos. Sabem que os professores sabem lutar, mas sabem não penalizar os alunos. Não é por acaso que as manifestações têm sido praticamente todas ao sábado. Os professores podiam vir à sexta, e depois tinham o fim-de-semana, mas sacrificam um dia de descanso para manifestarem a insatisfação. Acho que os portugueses reconhecem esse cuidado. E parece-me que é um dos motivos por que concordam e acompanham esta luta.
Disse que, quando se marca uma greve, se espera poder suspendê-la. Mas decerto que também admite que o mais importante é que o Governo ponha a hipótese de que pode prevalecer, para que os vossos argumentos possam surtir efeito...
Costumo dizer que a melhor luta é aquela que não é preciso fazer - é sinal que o problema se resolveu. Não faz parte da natureza da nossa organização a luta pela luta. Isso é para o calendário religioso: o Natal tem que ser o Natal e a Páscoa também - um é fixo e o outro é variável. As lutas, quando são marcadas, têm um objectivo, que é pressionar a tutela a resolver problemas. Quando estamos em negociação, há uma parte que pode convocar reuniões e a outra não. Ainda hoje [22 de Março] reclamámos porque o Ministério quer fazer a negociação de uma matéria tão complexa como a do tempo de serviço, e mais outros aspectos, numa só reunião, a 5 de Abril. Não sei como se consegue fazer uma negociação deste tipo num dia. Eles podem marcar a reunião, podem recusar mais reuniões, em caso de desacordo, se pedirmos a negociação suplementar, é pior do que na bola, porque o árbitro são eles. E, quando se chega ao fim da negociação sem acordo, eles fazem sair os decretos. Há uma parte que tem o poder de, em última análise, impor, decidir e fazer sair as leis. Nós só temos uma forma de os condicionar e pressionar, que é com a luta dos professores. Marcamos as acções e as lutas como forma de pressão, no sentido de conseguirmos alguns objectivos que traçamos. Penso que isso foi claro no processo dos concursos. O Ministério começa com a intenção de passar a recrutar professores por perfil de competências, com conselhos de directores a colocarem os professores dos quadros de zona pedagógica nas escolas, conforme entendem. Isso foi eliminado, mas não porque fomos muito convincentes ou o Ministério compreendeu que não era a solução. A pressão que os professores fizeram levou a que alterasse a sua posição. E está a levar agora a ter que discutir questões que têm a ver com o tempo de serviço. É evidente que, se não fizermos mais pressões, ficamos por aquilo que hoje foi apresentado. Se houver mais pressão, estou convencido que avançarão com mais alguma coisa. Os instrumentos que a democracia confere a cada parte são estes. Quando o Ministério da Educação nos disse, no final do processo negocial dos concursos, que se acabavam as reuniões se viéssemos para a porta fazer barulho ou se andássemos a marcar greves, isto não é democrático. Se nos deixássemos condicionar nunca mais fazíamos uma greve. Marcámos o que tínhamos a marcar e o Ministério compreendeu que a posição que estava a ter não era democrática e fez o que tinha a fazer: convocou a reunião e é assim que as coisas têm que funcionar. Se agora evoluir no sentido positivo, evidentemente que não temos que fazer lutas só porque as marcámos, mas iremos fazê-las se tivermos que as fazer, sem nenhum problema.
Uma das vossas lutas mais mediáticas, e em que terão maior grau de apoio da população, tem a ver com o que se convencionou chamar “casa às costas”. As soluções apresentadas pelo Governo podem resolver o problema?
O professor de Braga ou do Porto era colocado no Algarve ou em Odemira e o Ministério queria dar uma tenda para ficar por lá acampado, sendo que a casa não a podia levar. O regime de concursos não é o que, em nossa opinião, mais favoreceria a estabilidade quer das pessoas, quer das escolas e do seu corpo docente, mas o que vai determinar alguma estabilidade é o número de vagas que vai abrir. Costumo dizer que o melhor regime de concurso do mundo sem vagas não serve para nada. Um regime de concursos que não seja grande coisa, mas tenha um número elevado de vagas pode ser muito importante. O Ministério da Educação diz que vai ter 20 mil vagas para os professores, nomeadamente no quadro das escolas. Vamos ver se é assim ou não, onde é que vão abrir, e quais são as disciplinas. Podem até abrir muitas vagas em áreas que não há professores.
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