Portugal vai ocupar um lugar privilegiado na revolução em curso no sistema de captação, armazenamento e utilização da energia. E não só porque tem uma das maiores reservas mundiais daquele mineral. Quem é o diz é Helena Braga, que está entre as peças chave dessa revolução.
John Bannister Goodenough é um homem muito alto. Tem 95 anos de idade, um sorriso rasgado e uma gargalhada contagiante - porque é demorada, sonora, enfática. Reservaram-lhe uma cadeira de rodas para se deslocar até à Sala de Actos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), onde decorreu uma palestra sobre o futuro do armazenamento de energia, e na qual ele era o convidado especial. Mas ele dispensou-a, e veio pelo próprio pé, agarrado a uma pequena bengala e muito sorridente. John Goodenough não é só grande na compleição. No currículo, sobretudo, é um gigante, repetidas vezes considerado pela academia sueca quando chega a época do Nobel para a área de Física. É considerado o pai das baterias de iões de lítio, a invenção do início dos anos 90 que revolucionou o mundo da tecnologia, e o dia-a-dia de hoje, com gadgets e equipamentos electrónicos a funcionar sem fios, em todo o lado, através de baterias recarregáveis. E por isso já recebeu vários prémios e comendas internacionais.
Goodenough é professor na Universidade de Austin, no Texas, e recusa reformar-se. Continua a ir trabalhar todos os dias e a liderar uma equipa de investigadoras para a qual requisitou Helena Braga, a professora da FEUP, que, naquela palestra fazia uma espécie de honras das casa, apesar de actualmente estar em sabática para poder continuar a investigação que ali iniciou no Texas. Estavam ambos em Portugal para falar do futuro das baterias e da forma de armazenar energia. Goodenough já viveu muito, e prepara-se para viver o tempo suficiente para deixar a sua marca numa outra revolução que, de novo, irá ter impactos globais: a do armazenamento de energia e da mobilidade eléctrica.
O criador da bateria de iões de lítio sabe o que é que o mercado necessita para que a mobilidade eléctrica tenha o impulso que já ninguém se atreve a negar que é tão desejável quanto necessário. “Já há cidades no mundo onde não se consegue respirar. O mundo já está preparado para entrar numa era de pós-carbonização”, afirmou. “Já sabemos como transformar o sol e o vento em energia, mas ainda não aprendemos a armazená-la com eficácia. É isso que nós queremos descobrir. Obrigada por me terem emprestado a Helena Braga para descobrirmos esse caminho”, dizia ele sorridente à plateia, que lotou a sala.
Na verdade, o caminho está mais ou menos descoberto. E foi Helena Braga, quando se lembrou de “solidificar” o electrólito que permite funcionar as baterias de iões de lítio, quem o identificou. Foi em 2014 que a investigadora, agora com 46 anos, fez a primeira publicação sobre a tecnologia de electrólitos de vidro. A primeira patente foi assinada por ela, e por Jorge Ferreira, do Laboratório Nacional de Engenhara e Geologia (LNEG). As outras seis, já foram patentes americanas, com a Universidade do Texas ao barulho. Mas Maria Helena Braga está em todas.
Um electrólito de vidro
As baterias de iões de lítio que ainda hoje são usadas, e que John Goodenough ajudou a inventar já nos anos 80 do século passado, usam electrólitos líquidos para transportar os iões de lítio entre o ânodo (o lado negativo da bateria) e o cátodo (o lado positivo da bateria). Se uma célula de bateria é carregada muito rapidamente, pode causar dendritos, causando um curto-circuito que pode levar a explosões e incêndios - porque o líquido do electrólito é inflamável. É preciso revestir cada uma das células das baterias, estas tornam-se pesadas e espaçosas. Por isso as baterias dos automóveis da Tesla, por exemplo, o fabricante que decidiu avançar com a tecnologia existente, são desmesuradas e ocupam um espaço tão importante nos carros. A bateria de 85kWh da Tesla consiste num gigante de 16 módulos de 444 células cada - o que dá um total de mais de 7100 células para uma autonomia ainda considerada insuficiente para muitos.
A descoberta de Helena Braga mudou não só o electrólito, substituindo o líquido pelo vidro, como mudou a arquitectura da bateria. E as três arquitecturas diferentes em que está a trabalhar - e todas patenteadas - têm em comum o facto de o electrólito não ser inflamável, ser um bom condutor de iões de lítio e de sódio (esta é outra importante novidade: vai ser possível fazer baterias não só com lítio, mas também com sódio, mineral muito mais fácil de extrair através da dessalinização da água do mar, por exemplo), de ser mais leve e de não usar materiais perigosos ou não recicláveis.
A principal inovação destas novas baterias é fazer depender a capacidade de armazenamento de energia a partir do ânodo, em vez do tradicional cátodo, através do eletrólito sólido de vidro, que permite a utilização de um ânodo construído em metais alcalinos sem a formação dos chamados “dendritos”, e que são quem provoca os curto-circuitos internos. Resultado, será uma bateria mais segura, tem até três vezes mais capacidade de armazenamento, é mais leve e mais barata, podendo, ainda, ser usada em maiores amplitudes térmicas.
“E vai poder armazenar com mais eficácia as energias do sol e do vento, para ser usado quando eles forem precisos. E ela ainda não quer que se diga, mas também já estamos a estudar baterias que se autocarregam”, avisou Goodenough, dirigindo-se à plateia com a intenção, sobretudo, de exortar os estudantes e os engenheiros a “não terem medo de pensar e de experimentar”. É, afinal, o que o eterno candidato ao Nobel tem passado a vida a fazer. E a única certeza que ele deixou na palestra em que participou na FEUP é que será preciso até cinco anos, no máximo, para a venda desta nova geração de baterias já estar no mercado. Não diz quem as fabricará, nem em que país. Porque há muitos contactos com indústrias e marcas de vários pontos do globo. “Fomos contactados por mais de 60 empresas”, admitiu Helena Braga. “mas pode escrever o que eu digo. Daqui a cinco anos, já terá muitas dessas baterias no mercado. E daqui a 20, sabemos lá onde estaremos!”
O lugar de Portugal
Mas o que falta, afinal, para que essas baterias comecem a ser vendidas? A tecnologia está descoberta, investigada, prototipada. A indústria, como demonstrou a Efacec e a CaetanoBus, também presentes na palestra, aguardam, ora com serenidade, ora com impaciência, que o mercado se defina. Tiago Ramos, membro da equipa de desenvolvimento da mobilidade eléctrica da Caetano Bus, lembra que houve alturas em que tiveram de mudar de tecnologia três vezes no mesmo ano. A Efacec, a empresa que há menos de dois meses inaugurou uma nova unidade de mobilidade eléctrica e foi directamente desafiada a abraçar o projecto, esclareceu que não constrói baterias. O seu negócio é “desenvolver tecnologia que as carregue rapidamente”, lembrou Nuno Silva, director de tecnologia e Inovação do grupo Efacec.
O que temos, então, é um pequeno grande hiato. Por um lado, existe um modelo cientifico, que foi pesquisado e prototipado. Por outro, temos a indústria a tentar antecipar como as coisas vão evoluir, e de que lado avançaram mais rápido ou com maior fiabilidade. “Estar sempre a mudar de tecnologia não é interessante para ninguém”, sintetiza.
Porque não podem ser os próprios investigadores, a universidade a fazer esse trabalho? “Nós fizemos o nosso. O que os compete é ter estabilizado e desenvolvido o que é e como deve ser cada célula de uma bateria. Mas falta quem construa a bateria propriamente dita. Tem que ser a indústria a fazer esse scale up [subida de nível]", responde Helena Braga. John Goodenough é o que parece mais certo de todos: “Não se preocupem. Não vai ser preciso sequer cinco anos, para começarmos a ver essas baterias a ser construídas e vendidas, um pouco por todo o lado”, assegura. Só não diz quem será o primeiro - porque não pode, e porque não quer.
https://www.publico.pt/2018/04/09/economia/noticia/as-novas-baterias-de-litio-estarao-a-venda-daqui-a-cinco-anos-1809409
John Bannister Goodenough é um homem muito alto. Tem 95 anos de idade, um sorriso rasgado e uma gargalhada contagiante - porque é demorada, sonora, enfática. Reservaram-lhe uma cadeira de rodas para se deslocar até à Sala de Actos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), onde decorreu uma palestra sobre o futuro do armazenamento de energia, e na qual ele era o convidado especial. Mas ele dispensou-a, e veio pelo próprio pé, agarrado a uma pequena bengala e muito sorridente. John Goodenough não é só grande na compleição. No currículo, sobretudo, é um gigante, repetidas vezes considerado pela academia sueca quando chega a época do Nobel para a área de Física. É considerado o pai das baterias de iões de lítio, a invenção do início dos anos 90 que revolucionou o mundo da tecnologia, e o dia-a-dia de hoje, com gadgets e equipamentos electrónicos a funcionar sem fios, em todo o lado, através de baterias recarregáveis. E por isso já recebeu vários prémios e comendas internacionais.
Goodenough é professor na Universidade de Austin, no Texas, e recusa reformar-se. Continua a ir trabalhar todos os dias e a liderar uma equipa de investigadoras para a qual requisitou Helena Braga, a professora da FEUP, que, naquela palestra fazia uma espécie de honras das casa, apesar de actualmente estar em sabática para poder continuar a investigação que ali iniciou no Texas. Estavam ambos em Portugal para falar do futuro das baterias e da forma de armazenar energia. Goodenough já viveu muito, e prepara-se para viver o tempo suficiente para deixar a sua marca numa outra revolução que, de novo, irá ter impactos globais: a do armazenamento de energia e da mobilidade eléctrica.
O criador da bateria de iões de lítio sabe o que é que o mercado necessita para que a mobilidade eléctrica tenha o impulso que já ninguém se atreve a negar que é tão desejável quanto necessário. “Já há cidades no mundo onde não se consegue respirar. O mundo já está preparado para entrar numa era de pós-carbonização”, afirmou. “Já sabemos como transformar o sol e o vento em energia, mas ainda não aprendemos a armazená-la com eficácia. É isso que nós queremos descobrir. Obrigada por me terem emprestado a Helena Braga para descobrirmos esse caminho”, dizia ele sorridente à plateia, que lotou a sala.
Na verdade, o caminho está mais ou menos descoberto. E foi Helena Braga, quando se lembrou de “solidificar” o electrólito que permite funcionar as baterias de iões de lítio, quem o identificou. Foi em 2014 que a investigadora, agora com 46 anos, fez a primeira publicação sobre a tecnologia de electrólitos de vidro. A primeira patente foi assinada por ela, e por Jorge Ferreira, do Laboratório Nacional de Engenhara e Geologia (LNEG). As outras seis, já foram patentes americanas, com a Universidade do Texas ao barulho. Mas Maria Helena Braga está em todas.
Um electrólito de vidro
As baterias de iões de lítio que ainda hoje são usadas, e que John Goodenough ajudou a inventar já nos anos 80 do século passado, usam electrólitos líquidos para transportar os iões de lítio entre o ânodo (o lado negativo da bateria) e o cátodo (o lado positivo da bateria). Se uma célula de bateria é carregada muito rapidamente, pode causar dendritos, causando um curto-circuito que pode levar a explosões e incêndios - porque o líquido do electrólito é inflamável. É preciso revestir cada uma das células das baterias, estas tornam-se pesadas e espaçosas. Por isso as baterias dos automóveis da Tesla, por exemplo, o fabricante que decidiu avançar com a tecnologia existente, são desmesuradas e ocupam um espaço tão importante nos carros. A bateria de 85kWh da Tesla consiste num gigante de 16 módulos de 444 células cada - o que dá um total de mais de 7100 células para uma autonomia ainda considerada insuficiente para muitos.
A descoberta de Helena Braga mudou não só o electrólito, substituindo o líquido pelo vidro, como mudou a arquitectura da bateria. E as três arquitecturas diferentes em que está a trabalhar - e todas patenteadas - têm em comum o facto de o electrólito não ser inflamável, ser um bom condutor de iões de lítio e de sódio (esta é outra importante novidade: vai ser possível fazer baterias não só com lítio, mas também com sódio, mineral muito mais fácil de extrair através da dessalinização da água do mar, por exemplo), de ser mais leve e de não usar materiais perigosos ou não recicláveis.
A principal inovação destas novas baterias é fazer depender a capacidade de armazenamento de energia a partir do ânodo, em vez do tradicional cátodo, através do eletrólito sólido de vidro, que permite a utilização de um ânodo construído em metais alcalinos sem a formação dos chamados “dendritos”, e que são quem provoca os curto-circuitos internos. Resultado, será uma bateria mais segura, tem até três vezes mais capacidade de armazenamento, é mais leve e mais barata, podendo, ainda, ser usada em maiores amplitudes térmicas.
“E vai poder armazenar com mais eficácia as energias do sol e do vento, para ser usado quando eles forem precisos. E ela ainda não quer que se diga, mas também já estamos a estudar baterias que se autocarregam”, avisou Goodenough, dirigindo-se à plateia com a intenção, sobretudo, de exortar os estudantes e os engenheiros a “não terem medo de pensar e de experimentar”. É, afinal, o que o eterno candidato ao Nobel tem passado a vida a fazer. E a única certeza que ele deixou na palestra em que participou na FEUP é que será preciso até cinco anos, no máximo, para a venda desta nova geração de baterias já estar no mercado. Não diz quem as fabricará, nem em que país. Porque há muitos contactos com indústrias e marcas de vários pontos do globo. “Fomos contactados por mais de 60 empresas”, admitiu Helena Braga. “mas pode escrever o que eu digo. Daqui a cinco anos, já terá muitas dessas baterias no mercado. E daqui a 20, sabemos lá onde estaremos!”
O lugar de Portugal
Mas o que falta, afinal, para que essas baterias comecem a ser vendidas? A tecnologia está descoberta, investigada, prototipada. A indústria, como demonstrou a Efacec e a CaetanoBus, também presentes na palestra, aguardam, ora com serenidade, ora com impaciência, que o mercado se defina. Tiago Ramos, membro da equipa de desenvolvimento da mobilidade eléctrica da Caetano Bus, lembra que houve alturas em que tiveram de mudar de tecnologia três vezes no mesmo ano. A Efacec, a empresa que há menos de dois meses inaugurou uma nova unidade de mobilidade eléctrica e foi directamente desafiada a abraçar o projecto, esclareceu que não constrói baterias. O seu negócio é “desenvolver tecnologia que as carregue rapidamente”, lembrou Nuno Silva, director de tecnologia e Inovação do grupo Efacec.
O que temos, então, é um pequeno grande hiato. Por um lado, existe um modelo cientifico, que foi pesquisado e prototipado. Por outro, temos a indústria a tentar antecipar como as coisas vão evoluir, e de que lado avançaram mais rápido ou com maior fiabilidade. “Estar sempre a mudar de tecnologia não é interessante para ninguém”, sintetiza.
Porque não podem ser os próprios investigadores, a universidade a fazer esse trabalho? “Nós fizemos o nosso. O que os compete é ter estabilizado e desenvolvido o que é e como deve ser cada célula de uma bateria. Mas falta quem construa a bateria propriamente dita. Tem que ser a indústria a fazer esse scale up [subida de nível]", responde Helena Braga. John Goodenough é o que parece mais certo de todos: “Não se preocupem. Não vai ser preciso sequer cinco anos, para começarmos a ver essas baterias a ser construídas e vendidas, um pouco por todo o lado”, assegura. Só não diz quem será o primeiro - porque não pode, e porque não quer.
https://www.publico.pt/2018/04/09/economia/noticia/as-novas-baterias-de-litio-estarao-a-venda-daqui-a-cinco-anos-1809409
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