Avançar para o conteúdo principal

Venezuela: um dos locais mais perigosos do mundo para minerar bitcoins

Criptomoedas como bitcoin têm sido vistos como um investimento arriscado. Mas em lugares como a Venezuela, elas também podem ser perigosas.

Devido à busca dos venezuelanos por formas de fugir à crescente inflação e crise econômica que o país atravessa, e também devido à facilidade de ter energia elétrica subsidiada pelo governo, a Venezuela se tornou um país ativo em mineração de Bitcoin. Porém o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) está à procura de casas que possam ter picos de uso de energia com o intuito de reprimir a mineração de criptomoeda. Apesar da mineração de Bitcoin ser legal no país, aqueles que praticam estão sujeitos à prisão sob acusação de roubo de energia. Para evitar serem pegos, os mineradores venezuelanos deixam suas máquinas espalhadas nas casas de pessoas de sua confiança.

Milhares de venezuelanos voltaram-se para mineração secreta da moeda digital para sua sobrevivência econômica, e para muitos, isso significa arriscar a prisão. O país, outrora o mais rico da América do Sul, agora está em crise. À beira de uma guerra civil. Os protestos mortais paralisam os centros das cidades. É o país mais endividado do mundo, e o PIB do país entrou em colapso. A comida e as necessidades básicas são escassas, as pessoas estão racionando itens como pasta de dente e papel higiênico, e há relatórios de venezuelanos com fome matando flamingos e até tamanduás para obter comida.

O cenário econômico futuro do país parece tão sombrio. Já possui a maior taxa de inflação no planeta. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que os preços na Venezuela cresçam mais de 1.100% neste ano.

A moeda da Venezuela – o bolivar – está em queda livre. Em comparação com as taxas do mercado negro, perdeu 99,4 por cento do seu valor desde 2012. Mas o bitcoin, ethereum e outras criptomoedas estão imunes a tudo isso. Elas são totalmente descentralizadas e blindadas ao que está acontecendo em qualquer país – independentemente de onde são mineradas. E é por isso que os venezuelanos se voltaram para a mineração.

No mundo da criptomoedas, os mineradores usam computadores para fazer a verificação de transações digitais, verificando-as e adicionando-as a um livro público (blockchain). Quando alguém minera, ganha algumas frações de moeda digital como um pagamento por seus esforços. Isso tem sido a sobrevivência de pessoas como “Brother”, um apelido usado por um indivíduo que vive ao lado de Caracas, que só concordou em falar com a CNBC sob condição de anonimato.

O pai de 29 anos inicialmente entrou na mineração porque o salário mensal do seu cargo no governo – equivalente a 43 dólares em moeda local – não era suficiente para sustentar a filha que ele e sua esposa estavam esperando nascer. Foi quando ele decidiu começar a minerar ilegalmente, usando computadores em seu escritório de trabalho. Ele já abandonou seu emprego e agora minera usando seu próprio equipamento de casa.

Por causa da minha filha, não pensei nisso como um risco para o que poderia acontecer comigo na empresa. Eu tenho que correr o risco por ela. Eu tenho que fazer isso por ela, diz “Brother.

“Brother” tem base fora de Caracas e só concordou em ceder entrevista para a CNBC sob anonimato

A história de Brother não é única. David Fernando Lopez fugiu do país, mas já dirigiu uma “farm” de mineração de bitcoin em Caracas por três anos. Ele tinha 40 anos e não tinha emprego. A mineração era a única coisa que poderia tirá-lo da situação de pobreza. “Você pode alimentar uma família inteira com uma rig de ether (plataforma de mineração da Ethereum). É um fato”, diz.

Lopez diz que muitas pessoas estão fazendo isso agora. “Andrea Perez” está entre eles (um pseudônimo usado pela CNBC para proteger a identidade da entrevistada). Andrea tem três empregos, mas a mineração de bitcoin representa cerca de 80 por cento do seu rendimento, ou cerca de 120 dólares por mês. “Para mim, o bitcoin representou a capacidade de suportar e alimentar minha filha em um ambiente muito instável”.

Com uma drástica escassez de suprimentos, Lopez diz que a maneira mais fácil de obter amenidades básicas é usar criptocash em algum site de compras. Ele compra produtos como sabão, desodorante e shampoo – então um mensageiro de Miami entregará os bens diretamente ao escritório dele. Outros usam criptocash para comprar medicamentos vitais, como a insulina, do exterior.

O processo de mineração em si não é tão fácil, então muitas pessoas vão a fóruns online e tutoriais do YouTube para aprender como fazê-lo. Randy Brito administra um fórum on-line chamado “Bitcoin Venezuela”, que ensina as pessoas a minerar. Brito opera remotamente, na Espanha, tendo fugido da Venezuela com sua família quando ele tinha 14 anos. O que começou como uma comunidade de 10 usuários aumentou para cerca de 10 mil pessoas.

“Na Venezuela as pessoas mal conseguem ganhar a vida com seus empregos. Mesmo que sejam profissionais, eles não conseguem trabalhar”, disse Brito. “Então, elas estão descobrindo que a mineração é uma maneira de fazer um rendimento certo para suas famílias”.

Embora seja uma fonte vital de renda para muitos, ele diz que o perigo da mineração está se tornando maior a cada dia. “Pessoas que mineram bitcoin ou outras moedas geralmente estão fazendo isso às escondidas”, disse Brito.

Embora não seja proibido minerar criptomoedas na Venezuela, a polícia local começou a perseguir vários mineradores.

Começou com Joel Padron e José Perales, moradores da cidade de Valência. A mídia local informou que ambos foram presos e detidos por vários meses em 2016 por acusações de roubo de energia e posse de contrabando.

O número de prisões e incursões cresceu gradualmente desde então. Quando perguntado sobre o motivo pelo qual as autoridades estavam atacando tanto os mineiros de bitcoin, um detetive da polícia nacional (CICPC) disse à CNBC que, em muitos desses casos, os suspeitos estavam “explorando recursos sem documentação”.

No entanto, alguns mineradores disseram que o governo venezuelano vê as moedas digitais como uma ameaça para o já inútil bolívar e às suas regras rígidas sobre a fuga de capitais. Funcionários do governo não foram encontrados para comentar sobre o assunto.

Um post de um minerador no Reddit afirmou que eles “estão sendo presos e acusados de terrorismo, lavagem de dinheiro, crimes virtuais e muitos outras acusações. Está uma loucura aqui e eu realmente não quero perder minha vida por dinheiro”.

Um ano atrás, “Tego Sanchez” gastou suas economias de vida em hardware e aprendeu a minerar por conta própria. Atualmente, ela representa 80% de sua renda. No preço máximo do ethereum, ele ganhou cerca de 20 dólares diariamente. Mas o jovem de 23 anos diz que vive com medo constante de ser pego depois de ter visto seus amigos presos em incursões da polícia. Ele diz que é uma grande razão pela qual a comunidade de criptomoedas da Venezuela funciona, em grande parte, por grupos secretos e aplicativos de mensagens criptografadas, como o Telegram. É também por isso que ele usa uma identidade falsa.

“Não tive problemas com a polícia porque não falo sobre isso. Nem mesmo os meus amigos sabem o que eu faço”, disse ele. “Minha avó é a única pessoa que conhece porque eu vivo com ela”.

“Mateo Patino” também aprendeu a minerar quando a economia começou a cambalear, em 2012. No auge do valor do bitcoin, ele conseguiu até 600 dólares por mês, aproximadamente três vezes o salário que ganhava como jornalista.

Patino diz que foi abordado pelo SEBIN, acrônimo dado ao serviço de inteligência do país – o Servicio Bolivariano de Inteligencia Nacional. “Eles começaram a fazer perguntas sobre por que eu estava gastando tanta energia na minha casa. Eu realmente desliguei todos as minhas máquinas e me mudei para um local mais seguro”.

Esta é uma forma pelas quais as autoridades rastreiam os mineiros. A Venezuela tem fortes subsídios estatais no mercado de energia, o que mantém o preço baixo. Isso traz um grande incentivo, porque a mineração consome uma enorme quantidade de energia elétrica. No entanto, também significa que a polícia controla o consumo de energia em todo o país. Mineradores disseram que quando as autoridades verem que alguém está usando muita eletricidade, eles vão atrás da pessoa.

É por isso que muitas prisões são feitas sob acusação de fraude na internet e roubo de eletricidade. No início deste ano, quatro mineradores em Charallave foram presos por terem prejudicado a estabilidade do serviço elétrico da cidade.

Brother afirma que não só protege sua identidade online: também esconde seus rastros elétricos. Ele dividiu seu equipamento de mineração em três locais diferentes e paga aos vizinhos para usar sua eletricidade, para que ele possa espalhar seus dispositivos em várias redes elétricas.

Mas mesmo usando precauções, disse Patino, a mineração de bitcoin, em particular, é uma grande aposta.

“Tornou-se algo parecido com um filme de espionagem, porque os mineradores estavam sendo presos por acusações falsas”, disse Patino. “Muitos estão sendo processados. Muitos eles estão assustados, paranóicos”. Lopez afirma que, em última análise, teve que sair do negócio por sua própria segurança. Embora 99% do seu patrimônio líquido ainda seja investido em bitcoin, Lopez disse que, vendo o quanto o perigo da mineração cresce, decidiu fazer apenas “trades” com moedas digitais.

Após deixar o negócio de mineração, López decidiu sair da venezuela

A Venezuela é apenas mais um país em profunda crise política e econômica, mas ilustra porque as alternativas digitais, como o bitcoin, estão ganhando importância.

Joe Lubin, co-fundador do Ethereum (que estará na Web Summit em Lisboa) argumenta em condições desafiadoras onde as moedas oficiais estão em espiral fora de controle, as moedas digitais são parte integrante da sobrevivência. “Sim, elas são voláteis. Mas representam um valor real de salvamento para muitas pessoas em muitos países ao redor do mundo”.

https://www.cnbc.com/2017/08/30/venezuela-is-one-of-the-worlds-most-dangerous-places-to-mine-bitcoin.html

Comentários

Notícias mais vistas:

Esta cidade tem casas à venda por 12.000 euros, procura empreendedores e dá cheques bebé de 1.000 euros. Melhor, fica a duas horas de Portugal

 Herreruela de Oropesa, uma pequena cidade em Espanha, a apenas duas horas de carro da fronteira com Portugal, está à procura de novos moradores para impulsionar sua economia e mercado de trabalho. Com apenas 317 habitantes, a cidade está inscrita no Projeto Holapueblo, uma iniciativa promovida pela Ikea, Redeia e AlmaNatura, que visa incentivar a chegada de novos residentes por meio do empreendedorismo. Para atrair interessados, a autarquia local oferece benefícios como arrendamento acessível, com valores médios entre 200 e 300 euros por mês. Além disso, a aquisição de imóveis na região varia entre 12.000 e 40.000 euros. Novas famílias podem beneficiar de incentivos financeiros, como um cheque bebé de 1.000 euros para cada novo nascimento e um vale-creche que cobre os custos da educação infantil. Além das vantagens para famílias, Herreruela de Oropesa promove incentivos fiscais para novos moradores, incluindo descontos no Imposto Predial e Territorial Urbano (IBI) e benefícios par...

"A NATO morreu porque não há vínculo transatlântico"

 O general Luís Valença Pinto considera que “neste momento a NATO morreu” uma vez que “não há vínculo transatlântico” entre a atual administração norte-americana de Donald Trump e as nações europeias, que devem fazer “um planeamento de Defesa”. “Na minha opinião, neste momento, a menos que as coisas mudem drasticamente, a NATO morreu, porque não há vínculo transatlântico. Como é que há vínculo transatlântico com uma pessoa que diz as coisas que o senhor Trump diz? Que o senhor Vance veio aqui à Europa dizer? O que o secretário da Defesa veio aqui à Europa dizer? Não há”, defendeu o general Valença Pinto. Em declarações à agência Lusa, o antigo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, entre 2006 e 2011, considerou que, atualmente, ninguém “pode assumir como tranquilo” que o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte – que estabelece que um ataque contra um dos países-membros da NATO é um ataque contra todos - “está lá para ser acionado”. Este é um dos dois artigos que o gener...

Armazenamento holográfico

 Esta técnica de armazenamento de alta capacidade pode ser uma das respostas para a crescente produção de dados a nível mundial Quando pensa em hologramas provavelmente associa o conceito a uma forma futurista de comunicação e que irá permitir uma maior proximidade entre pessoas através da internet. Mas o conceito de holograma (que na prática é uma técnica de registo de padrões de interferência de luz) permite que seja explorado noutros segmentos, como o do armazenamento de dados de alta capacidade. A ideia de criar unidades de armazenamento holográficas não é nova – o conceito surgiu na década de 1960 –, mas está a ganhar nova vida graças aos avanços tecnológicos feitos em áreas como os sensores de imagem, lasers e algoritmos de Inteligência Artificial. Como se guardam dados num holograma? Primeiro, a informação que queremos preservar é codificada numa imagem 2D. Depois, é emitido um raio laser que é passado por um divisor, que cria um feixe de referência (no seu estado original) ...