Sócrates enganou muita gente e achava que conseguiria enganar toda a gente. Mas há sempre um momento em que a história funciona ao contrário. Foi o que aconteceu na relação com Sandra Santos, uma mulher que conseguiu extorquir-lhe mais de 100 mil euros. A relação entre ambos durou de 2006 a 2014.
Sandra Santos telefonava a Sócrates insistentemente com pedidos de ajuda para pagar a renda da sua casa na Suíça, onde vivia, ou para financiar gastos com o filho e despesas de saúde.
«Olá! José é a Sandra. Desculpa, não te vou mentir, tu ajudas-me mas não consigo meter um termo nos meus pagamentos atrasados. Por favor, aceita emprestar-me 5.000», lê-se numa mensagem enviada em janeiro de 2014.
Os pagamentos eram tão recorrentes que, por vezes, bastavam conversas rápidas por mensagem para decidir quando e quanto era transferido para a Suíça, como pode ver-se nesta troca de sms em agosto do mesmo ano:
Sandra Santos (SS) - Podes ajudar-me?
José Sócrates (JS) - Posso. Quando é que precisas?
SS - 3.000 por favor.
JS - Sim, mas quando? Na próxima semana?
SS - Esta semana, por favor.
JS - Está bem.
SS - Muito obrigado.
Sócrates cumpria as promessas, como se depreende dos agradecimentos da mulher: «Obrigado, já recebi. Vou pagar minhas faturas, és uma grande ajuda, mais uma vez muito obrigado», lê-se numa mensagem enviada por Sandra em agosto de 2014.
Na mesma altura, em conversa telefónica, a mulher queixa-se de que foi obrigada a mudar de casa por não conseguir pagar a renda: «Tive de arranjar uma casa mais pequena, fui para um estúdio, a renda era muito cara». Em todas estas situações, Sócrates tranquilizava-a: «Nós ajudamos-te, não te preocupes».
Sócrates não era o único ‘cliente’
O que Sócrates desconhecia é que não era o único a financiar Sandra. Esta tinha outras fontes de ‘rendimento’. E chegou a faltar a encontros com o ex-primeiro-ministro - que pagava as suas viagens da Suíça para Portugal - para se encontrar com outros homens.
Um deles era Claudino Furtado, que a conhecera em pequena e por ela se apaixonara. Com ela, o trabalhador da construção civil gastou tudo o que fora amealhando na vida. A ajuda financeira durou até dezembro de 2014, num total de cerca de 2.500 euros.
De acordo com o seu testemunho, num interrogatório feito pelo Ministério Público em parceria com a Inspeção Tributária, no âmbito da Operação Marquês, Claudino e Sandra namoraram quando eram adolescentes, mas acabaram a relação quando ela, com 20 anos, foi viver para a Suíça.
Em 2010, durante umas férias em Portugal, reataram relações, mas só no início de 2014 é que o homem se apercebeu de que ela vivia com dificuldades e passou a ajudá-la financeiramente: «Ela dizia que estava lá sozinha, só com o filho, que estava doente, tinha uma depressão e tomava medicamentos. Senti pena dela, nunca a conheci assim a pedir dinheiro daquela maneira. O pai do miúdo [filho da Sandra] ajuda, dá a pensão. Perguntei-lhe porque é que o dinheiro não lhe chegava». Mas a mulher justificava-se, dizendo-se roubada por alguém a quem passara poderes para as suas finanças.
Amiga aconselha Sócrates a ‘fechar a torneira’
Sandra usava com Sócrates as mesmas desculpas que usava com Claudino. O dinheiro nunca lhe chegava. Numa conversa por telefone, uma amiga de longa data do ex-primeiro-ministro, Lígia Correia, chegou a aconselhá-lo a fechar a torneira: «O dinheiro é teu, tu fazes como entenderes, mas é uma situação desconfortável. Tu mandas-lhe o dinheiro, já no mês passado mandaste aquele dinheiro todo e ela já não tem, acaba por gastar tudo e fica sem dinheiro para vir [a Portugal, aos encontros com Sócrates e com ela]».
Lígia conhecia bem Sandra, pois costumava organizar encontros íntimos em que participavam elas as duas e o ex-primeiro-ministro.
Sucede que, à última hora, Sandra acabava muitas vezes por desmarcar as combinações. Sócrates insistia com Lígia para saber notícias da amiga: «Vê se é hoje ou não», pedia numa conversa por telefone. Ao que a outra respondia: «Ela [Sandra] tem dificuldade em dizer que não, a mãe deve fazer muita pressão e ela não consegue gerir a relação com a mãe... Acho que ela não quer estar connosco». Sandra Santos desculpava-se com a mãe quando, na verdade, queria era livrar-se dos encontros com eles para estar com Claudino.
Mas, apesar dos conselhos de Lígia, Sócrates - mostrando uma fixação doentia em Sandra - continuou a sustentá-la e a marcar encontros. E ela continuou a pedir-lhe dinheiro até a bomba estoirar. Cerca de meia hora antes de Sócrates ser detido no aeroporto de Lisboa, a 21 de novembro, Sandra enviou-lhe a seguinte SMS: «Não percebo... O Carlos [Santos Silva] disse-me ontem que a transferência já estava feita e que ele iria enviar-me a diferença pela Wester [Union] ontem. Só gostaria de falar com Carlos, por favor».
Claudino, esse, disse aos investigadores que não tinha conhecimento da relação de Sandra com José Sócrates, muito menos que este lhe dava dinheiro - acabando por saber de tudo através da comunicação social, depois da detenção do antigo primeiro-ministro: «Fiquei chocado. Podem imaginar a minha cara quando vi aquilo, tendo em conta que lhe estava a mandar dinheiro».
Primo de Sócrates pagava a Sandra
Durante o interrogatório no MP, Sandra Santos mostrou-se nervosa, justificando os lapsos de memória com a medicação que tomava para os seus problemas psicológicos e um internamento de 9 meses, que o MP tentou localizar. Ao longo do depoimento, afirmou que tinha conhecido Carlos Santos Silva em 2006, num jantar em casa de amigos, e que conheceu José Sócrates dois anos depois, em 2008. No entanto, as ajudas financeiras deste começaram em 2006, como ficou escrito.
Nesse ano, Sandra recebeu 3.000 euros vindos de uma conta offshore de José Paulo Pinto de Sousa, primo (e primeiro testa-de-ferro) de José Sócrates. No interrogatório, Sandra começou por dizer que não conhecia nenhum membro da família Pinto de Sousa à exceção de Sócrates, mas, mais tarde, admitiu que tinha estado com José Paulo «uma ou duas vezes» e que o conheceu através de Santos Silva.
Também começou por negar as quantias que recebia do primo de Sócrates, mas acabou por admitir que lhe pediu dinheiro. E esclareceu a relação com ele: «Não posso dizer que tínhamos uma relação de amizade. Conhecíamo-nos, pronto», disse aos investigadores. Questionada sobre a razão para ter recebido os 3.000 euros de José Paulo, Sandra não conseguiu arranjar uma justificação: «Não me lembro, sinceramente não me lembro».
Entre 2006 e 2014, Sandra Santos recebeu 102.300 euros através de transferências bancárias feitas por José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva, os homens que o MP afirma serem os testas-de-ferro de José Sócrates. Este valor não inclui as viagens e as estadias no Algarve e em Paris.
Felícia Cabrita e Joana Marques Alves
Em:
https://sol.sapo.pt/artigo/585520/a-mulher-que-conseguiu-enganar-socrates
Sandra Santos telefonava a Sócrates insistentemente com pedidos de ajuda para pagar a renda da sua casa na Suíça, onde vivia, ou para financiar gastos com o filho e despesas de saúde.
«Olá! José é a Sandra. Desculpa, não te vou mentir, tu ajudas-me mas não consigo meter um termo nos meus pagamentos atrasados. Por favor, aceita emprestar-me 5.000», lê-se numa mensagem enviada em janeiro de 2014.
Os pagamentos eram tão recorrentes que, por vezes, bastavam conversas rápidas por mensagem para decidir quando e quanto era transferido para a Suíça, como pode ver-se nesta troca de sms em agosto do mesmo ano:
Sandra Santos (SS) - Podes ajudar-me?
José Sócrates (JS) - Posso. Quando é que precisas?
SS - 3.000 por favor.
JS - Sim, mas quando? Na próxima semana?
SS - Esta semana, por favor.
JS - Está bem.
SS - Muito obrigado.
Sócrates cumpria as promessas, como se depreende dos agradecimentos da mulher: «Obrigado, já recebi. Vou pagar minhas faturas, és uma grande ajuda, mais uma vez muito obrigado», lê-se numa mensagem enviada por Sandra em agosto de 2014.
Na mesma altura, em conversa telefónica, a mulher queixa-se de que foi obrigada a mudar de casa por não conseguir pagar a renda: «Tive de arranjar uma casa mais pequena, fui para um estúdio, a renda era muito cara». Em todas estas situações, Sócrates tranquilizava-a: «Nós ajudamos-te, não te preocupes».
Sócrates não era o único ‘cliente’
O que Sócrates desconhecia é que não era o único a financiar Sandra. Esta tinha outras fontes de ‘rendimento’. E chegou a faltar a encontros com o ex-primeiro-ministro - que pagava as suas viagens da Suíça para Portugal - para se encontrar com outros homens.
Um deles era Claudino Furtado, que a conhecera em pequena e por ela se apaixonara. Com ela, o trabalhador da construção civil gastou tudo o que fora amealhando na vida. A ajuda financeira durou até dezembro de 2014, num total de cerca de 2.500 euros.
De acordo com o seu testemunho, num interrogatório feito pelo Ministério Público em parceria com a Inspeção Tributária, no âmbito da Operação Marquês, Claudino e Sandra namoraram quando eram adolescentes, mas acabaram a relação quando ela, com 20 anos, foi viver para a Suíça.
Em 2010, durante umas férias em Portugal, reataram relações, mas só no início de 2014 é que o homem se apercebeu de que ela vivia com dificuldades e passou a ajudá-la financeiramente: «Ela dizia que estava lá sozinha, só com o filho, que estava doente, tinha uma depressão e tomava medicamentos. Senti pena dela, nunca a conheci assim a pedir dinheiro daquela maneira. O pai do miúdo [filho da Sandra] ajuda, dá a pensão. Perguntei-lhe porque é que o dinheiro não lhe chegava». Mas a mulher justificava-se, dizendo-se roubada por alguém a quem passara poderes para as suas finanças.
Amiga aconselha Sócrates a ‘fechar a torneira’
Sandra usava com Sócrates as mesmas desculpas que usava com Claudino. O dinheiro nunca lhe chegava. Numa conversa por telefone, uma amiga de longa data do ex-primeiro-ministro, Lígia Correia, chegou a aconselhá-lo a fechar a torneira: «O dinheiro é teu, tu fazes como entenderes, mas é uma situação desconfortável. Tu mandas-lhe o dinheiro, já no mês passado mandaste aquele dinheiro todo e ela já não tem, acaba por gastar tudo e fica sem dinheiro para vir [a Portugal, aos encontros com Sócrates e com ela]».
Lígia conhecia bem Sandra, pois costumava organizar encontros íntimos em que participavam elas as duas e o ex-primeiro-ministro.
Sucede que, à última hora, Sandra acabava muitas vezes por desmarcar as combinações. Sócrates insistia com Lígia para saber notícias da amiga: «Vê se é hoje ou não», pedia numa conversa por telefone. Ao que a outra respondia: «Ela [Sandra] tem dificuldade em dizer que não, a mãe deve fazer muita pressão e ela não consegue gerir a relação com a mãe... Acho que ela não quer estar connosco». Sandra Santos desculpava-se com a mãe quando, na verdade, queria era livrar-se dos encontros com eles para estar com Claudino.
Mas, apesar dos conselhos de Lígia, Sócrates - mostrando uma fixação doentia em Sandra - continuou a sustentá-la e a marcar encontros. E ela continuou a pedir-lhe dinheiro até a bomba estoirar. Cerca de meia hora antes de Sócrates ser detido no aeroporto de Lisboa, a 21 de novembro, Sandra enviou-lhe a seguinte SMS: «Não percebo... O Carlos [Santos Silva] disse-me ontem que a transferência já estava feita e que ele iria enviar-me a diferença pela Wester [Union] ontem. Só gostaria de falar com Carlos, por favor».
Claudino, esse, disse aos investigadores que não tinha conhecimento da relação de Sandra com José Sócrates, muito menos que este lhe dava dinheiro - acabando por saber de tudo através da comunicação social, depois da detenção do antigo primeiro-ministro: «Fiquei chocado. Podem imaginar a minha cara quando vi aquilo, tendo em conta que lhe estava a mandar dinheiro».
Primo de Sócrates pagava a Sandra
Durante o interrogatório no MP, Sandra Santos mostrou-se nervosa, justificando os lapsos de memória com a medicação que tomava para os seus problemas psicológicos e um internamento de 9 meses, que o MP tentou localizar. Ao longo do depoimento, afirmou que tinha conhecido Carlos Santos Silva em 2006, num jantar em casa de amigos, e que conheceu José Sócrates dois anos depois, em 2008. No entanto, as ajudas financeiras deste começaram em 2006, como ficou escrito.
Nesse ano, Sandra recebeu 3.000 euros vindos de uma conta offshore de José Paulo Pinto de Sousa, primo (e primeiro testa-de-ferro) de José Sócrates. No interrogatório, Sandra começou por dizer que não conhecia nenhum membro da família Pinto de Sousa à exceção de Sócrates, mas, mais tarde, admitiu que tinha estado com José Paulo «uma ou duas vezes» e que o conheceu através de Santos Silva.
Também começou por negar as quantias que recebia do primo de Sócrates, mas acabou por admitir que lhe pediu dinheiro. E esclareceu a relação com ele: «Não posso dizer que tínhamos uma relação de amizade. Conhecíamo-nos, pronto», disse aos investigadores. Questionada sobre a razão para ter recebido os 3.000 euros de José Paulo, Sandra não conseguiu arranjar uma justificação: «Não me lembro, sinceramente não me lembro».
Entre 2006 e 2014, Sandra Santos recebeu 102.300 euros através de transferências bancárias feitas por José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva, os homens que o MP afirma serem os testas-de-ferro de José Sócrates. Este valor não inclui as viagens e as estadias no Algarve e em Paris.
Felícia Cabrita e Joana Marques Alves
Em:
https://sol.sapo.pt/artigo/585520/a-mulher-que-conseguiu-enganar-socrates
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