O que poucos notaram é que os resultados sintéticos das autárquicas de 2013 e de 2017 foram, respectivamente, 50,2% e 51,5% para a «esquerda» e 34,8% e 34,5% para a «direita». «Derrota catastrófica»?
Há vários anos, antes mesmo de chegar ao governo depois de Sócrates e o PS terem chamado a «troika» para resgatar Portugal da bancarrota a que tinham levado o país (2011), já a ascensão de Pedro Passos Coelho (PPC) à chefia do PSD (2010) provocara a constituição de um numeroso grupo de antigos barões do seu partido que, desde então, o fustigam diariamente com a complacência da comunicação social. Durante o período do resgate, apesar de a economia portuguesa já estar a crescer no final do mandato de PPC (2015), este continuou a ser acossado pelos «senadores» do PSD, ao mesmo tempo que a «esquerda» desencadeou, por sua vez, um ataque cerrado contra ele pessoalmente.
A meio do mandato, foi o próprio número dois de PPC, Paulo Portas do CDS, quem lhe apresentou uma «demissão irrevogável» com mira na queda do governo e numa possível aliança com o PS (2013). Portas acabou por não se demitir mas impediu as reformas estruturais necessárias (pensões, administração pública, etc.), ficando PPC virtualmente sózinho com o ónus dos «cortes». Algo de importante PPC fez, com certeza, para desencadear a ira de tanta gente tão diferente e adorada pelos «media», nem que fosse para aumentar as audiências… Finalmente, terça-feira passada, conseguiram levá-lo a demitir-se da liderança do PSD perante os tais «resultados catastróficos» das eleições autárquicas, de tal modo que o próprio PPC parece tê-los usado para se libertar das pressões ininterruptas dos últimos sete anos.
Ora, um mero exercício aritmético mostra que a derrota percentual do PSD e, em especial, a alegada «derrota da direita» no domingo passado, estão longe de ser novidade desde as autárquicas de 2013 e não foram muito diferentes dos resultados das legislativas de 2015 em que a «PaF» ficou à frente dos partidos de oposição, que ninguém imaginava então virem a conluiar-se. Com efeito, para tirar ilações nacionais legítimas das autárquicas, como todos os comentadores repetiram durante a campanha, estas não podem ser comparados mecanicamente aos das legislativas.
Ao compará-las sem mencionar as características próprias das candidaturas nas autárquicas, está-se a esconder, entre muitos outros factores específicos, votações apresentadas como «independentes», género Isaltino, cujo eleitorado há-de estar mais perto da «direita» do que da «esquerda»… É pois altamente enganador tirar conclusões políticas e partidárias nacionais da mera comparação entre as autárquicas de 2013 e as de 2017, como faz o «Público» do dia 3 (quadro da pág. 3), onde os resultados dos partidos da «direita», como esta é agora designada automaticamente, são apresentados de forma muito parcial: dão 16,1% ao PSD, 2,6% ao CDS e 8,8% ao PSD/CDS, quando, no quadro ao lado, a «direita» no seu conjunto terá tido, sim, 34,5% dos votos…
Ora, o que poucos observaram, preferindo brandir a «queda inédita» do PSD a fim de atingir o seu líder, é que os resultados sintéticos das autárquicas de 2013 e de 2017 foram, respectivamente, 50,2% e 51,5% para a «esquerda» e 34,8% e 34,5% para a «direita» segundo o «Público», ou seja, com pouquíssima variação entre as duas votações (os votos que faltam perdem-se nos «brancos e nulos» e outras «miudezas»). Sendo assim, pouca diferença significativa há entre esses resultados e os das legislativas de 2015 (52,75% à «esquerda», incluindo o PAN, e 38,5% à «direita»), com perda dos votos expressos restantes, ou seja, um ganho de pouco mais de um por cento à «esquerda» e uma perda de 4% à «direita» em relação às legislativas.
Ou seja, nada que não faça pensar nos «bónus» feitos pelos governos na recta final das campanhas eleitorais como fez o PS… Mais: se é certo que o PSD teve um mau resultado na cidade de Lisboa, de que tanto se falou e que se deveu à autonomização da candidatura do CDS na linha de Portas, o PS não só perdeu a maioria na Câmara como teve menos 10% dos votos, metade dos quais terão ido para o BE enquanto o PCP ficou praticamente igual. No concelho de Lisboa, a «esquerda» junta teve 57% em 2017 quando tinha tido 61% em 2013; pelo seu lado, o CDS e o PSD juntos, ou seja, a «direita» teve 33,6% em 2017 quando tivera 22,3% em 2015; afinal, aumentou… Entretanto, coisa que nenhum dos glorificadores da «grande vitória» assinalou, o PS ganhou apenas 1,5% no total e ficou, portanto, a quilómetros da «maioria absoluta», continuando a depender da «geringonça» até mais ver!
É isto que se chama uma «derrota catastrófica» ou, mais modestamente, um erro de «casting» do PSD? Provavelmente foi mais do que um mero desentendimento mas está muito longe do resultado «catastrófico» criado na noite televisiva por um vasto «lobby» que vai da extrema-direita à extrema-esquerda, passando por quase todos os quadrantes dos «media», a saber, os mesmos que nunca viram PPC com bons olhos e que toleram, sem pestanejar, a conquista do poder pelo PS sem olhar à sua própria tradição política democrática. Águas passadas, porém, não movem moinhos. O certo é que Cavaco Silva não soube gerir os resultados das legislativas de 2015 e, desde então, Pedro Passos Coelho não encontrou o caminho que poderia levá-lo de novo ao poder.
Manuel Villaverde Cabral em:
http://observador.pt/opiniao/um-exercicio-aritmetico/
Há vários anos, antes mesmo de chegar ao governo depois de Sócrates e o PS terem chamado a «troika» para resgatar Portugal da bancarrota a que tinham levado o país (2011), já a ascensão de Pedro Passos Coelho (PPC) à chefia do PSD (2010) provocara a constituição de um numeroso grupo de antigos barões do seu partido que, desde então, o fustigam diariamente com a complacência da comunicação social. Durante o período do resgate, apesar de a economia portuguesa já estar a crescer no final do mandato de PPC (2015), este continuou a ser acossado pelos «senadores» do PSD, ao mesmo tempo que a «esquerda» desencadeou, por sua vez, um ataque cerrado contra ele pessoalmente.
A meio do mandato, foi o próprio número dois de PPC, Paulo Portas do CDS, quem lhe apresentou uma «demissão irrevogável» com mira na queda do governo e numa possível aliança com o PS (2013). Portas acabou por não se demitir mas impediu as reformas estruturais necessárias (pensões, administração pública, etc.), ficando PPC virtualmente sózinho com o ónus dos «cortes». Algo de importante PPC fez, com certeza, para desencadear a ira de tanta gente tão diferente e adorada pelos «media», nem que fosse para aumentar as audiências… Finalmente, terça-feira passada, conseguiram levá-lo a demitir-se da liderança do PSD perante os tais «resultados catastróficos» das eleições autárquicas, de tal modo que o próprio PPC parece tê-los usado para se libertar das pressões ininterruptas dos últimos sete anos.
Ora, um mero exercício aritmético mostra que a derrota percentual do PSD e, em especial, a alegada «derrota da direita» no domingo passado, estão longe de ser novidade desde as autárquicas de 2013 e não foram muito diferentes dos resultados das legislativas de 2015 em que a «PaF» ficou à frente dos partidos de oposição, que ninguém imaginava então virem a conluiar-se. Com efeito, para tirar ilações nacionais legítimas das autárquicas, como todos os comentadores repetiram durante a campanha, estas não podem ser comparados mecanicamente aos das legislativas.
Ao compará-las sem mencionar as características próprias das candidaturas nas autárquicas, está-se a esconder, entre muitos outros factores específicos, votações apresentadas como «independentes», género Isaltino, cujo eleitorado há-de estar mais perto da «direita» do que da «esquerda»… É pois altamente enganador tirar conclusões políticas e partidárias nacionais da mera comparação entre as autárquicas de 2013 e as de 2017, como faz o «Público» do dia 3 (quadro da pág. 3), onde os resultados dos partidos da «direita», como esta é agora designada automaticamente, são apresentados de forma muito parcial: dão 16,1% ao PSD, 2,6% ao CDS e 8,8% ao PSD/CDS, quando, no quadro ao lado, a «direita» no seu conjunto terá tido, sim, 34,5% dos votos…
Ora, o que poucos observaram, preferindo brandir a «queda inédita» do PSD a fim de atingir o seu líder, é que os resultados sintéticos das autárquicas de 2013 e de 2017 foram, respectivamente, 50,2% e 51,5% para a «esquerda» e 34,8% e 34,5% para a «direita» segundo o «Público», ou seja, com pouquíssima variação entre as duas votações (os votos que faltam perdem-se nos «brancos e nulos» e outras «miudezas»). Sendo assim, pouca diferença significativa há entre esses resultados e os das legislativas de 2015 (52,75% à «esquerda», incluindo o PAN, e 38,5% à «direita»), com perda dos votos expressos restantes, ou seja, um ganho de pouco mais de um por cento à «esquerda» e uma perda de 4% à «direita» em relação às legislativas.
Ou seja, nada que não faça pensar nos «bónus» feitos pelos governos na recta final das campanhas eleitorais como fez o PS… Mais: se é certo que o PSD teve um mau resultado na cidade de Lisboa, de que tanto se falou e que se deveu à autonomização da candidatura do CDS na linha de Portas, o PS não só perdeu a maioria na Câmara como teve menos 10% dos votos, metade dos quais terão ido para o BE enquanto o PCP ficou praticamente igual. No concelho de Lisboa, a «esquerda» junta teve 57% em 2017 quando tinha tido 61% em 2013; pelo seu lado, o CDS e o PSD juntos, ou seja, a «direita» teve 33,6% em 2017 quando tivera 22,3% em 2015; afinal, aumentou… Entretanto, coisa que nenhum dos glorificadores da «grande vitória» assinalou, o PS ganhou apenas 1,5% no total e ficou, portanto, a quilómetros da «maioria absoluta», continuando a depender da «geringonça» até mais ver!
É isto que se chama uma «derrota catastrófica» ou, mais modestamente, um erro de «casting» do PSD? Provavelmente foi mais do que um mero desentendimento mas está muito longe do resultado «catastrófico» criado na noite televisiva por um vasto «lobby» que vai da extrema-direita à extrema-esquerda, passando por quase todos os quadrantes dos «media», a saber, os mesmos que nunca viram PPC com bons olhos e que toleram, sem pestanejar, a conquista do poder pelo PS sem olhar à sua própria tradição política democrática. Águas passadas, porém, não movem moinhos. O certo é que Cavaco Silva não soube gerir os resultados das legislativas de 2015 e, desde então, Pedro Passos Coelho não encontrou o caminho que poderia levá-lo de novo ao poder.
Manuel Villaverde Cabral em:
http://observador.pt/opiniao/um-exercicio-aritmetico/
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