Avançar para o conteúdo principal

Áquila: Como nasce um “terrível precedente” judicial

O julgamento aconteceu em Áquila

Treze meses depois do início do julgamento, os seis peritos acusados de homicídio involuntário no caso do sismo de Áquila, em Itália, ficaram boquiabertos com a sentença. O juiz condenou quatro cientistas, dois engenheiros e um ex-vice-director da protecção civil a seis anos de prisão e a uma multa de compensação de 7,8 milhões de euros às famílias de 29 vítimas das 309 vítimas do sismo que ocorreu a 6 de Abril de 2009 na região dos Abruzos.

Os especialistas foram acusados de terem feito uma análise superficial do risco sísmico em Áquila, quando se reuniram numa comissão de risco, a 31 de Março de 2009, após meses de pequenos tremores de terra. E ainda por terem dado falsas garantias à população, antes de o sismo ocorrer. Apesar de a acusação ter pedido quatro anos de prisão, a sentença dada pelo juiz Marco Billi foi de seis.

É inédito ver cientistas condenados por uma avaliação científica. “Estou sem forças, desesperado. Pensei que me tinham ouvido, continuo sem compreender porque sou acusado”, disse Enzo Boschi, citado pela AFP. Boschi era, em 2009, o presidente do Instituto Nacional de Geofísica e de Vulcanologia de Itália. Os outros cinco cientistas, Franco Barberi, Mauro Dolce, Giulio Selvaggi, Claudio Eva e Gianmichele Calvi, eram peritos em áreas como a sismologia ou a vulcanologia. O sétimo condenado, Bernardo de Bernardinis, era então vice-director do Departamento da Protecção Civil de Itália.

Os investigadores eram professores ou quadros de topo de instituições científicas de referência na Itália, mas depois da sentença, vão deixar de poder exercer cargos públicos. Apesar de já se saber que vão recorrer — a pena só poderá ser cumprida depois de os recursos terem sido esgotados —, o caso abre um precedente judicial.

“Espero que os italianos se apercebam o quão atrasados estão nos julgamento e na sentença de Áquila”, disse Erik Klemetti, professor de geociência na Universidade de Denison, no Ohio, Estados Unidos, citado pela revista Scientific American, acrescentando que depois de quatro horas de ponderação, criou-se um “terrível precedente”.

A partir de agora, o resultado deste processo paira sobre a cabeça de qualquer cientista que tenha de fazer considerações sobre riscos naturais. Mas a sentença também deixou um sabor amargo às famílias das vítimas que estiveram no tribunal em Áquila, na segunda-feira.

“Dissemos durante três anos que o risco sísmico foi subestimado em Áquila, e finalmente o tribunal deu-nos razão”, refere Vincenzo Vittorini, que perdeu a mulher e a filha durante o sismo e representa a associação “309 Mártires”. “No entanto, o resultado deixa-me um sabor amargo, porque significa que aquelas mortes poderiam ser evitadas. Esta sentença tem de ser um ponto de partida de mudança para a forma como a prevenção do risco é feita na Itália”, disse, citado num artigo noticioso da revista Nature.

Áquila é uma cidade medieval no centro de Itália — uma região com intensa actividade sísmica. Séculos de tremores de terra levaram pessoas como Vincenzo Vittorini, nascido e educado na região, a aprender que se sai para a rua mal se sente um sismo. Mas na madrugada de 6 de Abril, quando o violento sismo de 6,3 de magnitude ocorreu, Vittorini e a família estavam em casa, mesmo depois de já terem sentido um tremor horas antes.

Mantiveram-se em casa deliberadamente, depois de terem ouvido a conferência de imprensa de Bernardo de Bernardinis, após a reunião da comissão de risco. “A comissão científica garantiu-me que a situação é favorável devido à libertação contínua de energia”, disse, a 31 de Março.

A comissão foi chamada a Áquila depois de um enxame de pequenos sismos terem posto a população com os nervos em franja, e após um técnico ter feito um prognóstico de que haveria um sismo médio. O prognóstico foi baseado num método artesanal que está longe de ser aprovado pelos sismólogos.

O sismólogo Enzo Boschi disse, na reunião da comissão, que durou apenas uma hora, que um sismo forte seria improvável, mas nunca poderia ser totalmente excluída. Mas o relatório da comissão saiu depois do sismo e o que ficou na cabeça de Vittorini e de outras famílias foram as palavras de calma proferidas por Bernardinis.

Em Junho de 2009, um grupo de cidadãos apresentou uma queixa e obrigou à avaliação do caso, o que conduziu ao julgamento dos seis peritos e de Bernardinis. As sessões começaram mais de dois anos depois, em Setembro de 2011, e deixaram os cientistas de todo o mundo perplexos. “Em Itália vamos ver muitos mais falsos alarmes nestas situações, porque os cientistas vão escolher soar os alarmes em caso de dúvida”, disse Marcello Melandri, um dos advogados de defesa. “No final, vão se tornar cada vez menos credíveis.”

Por Nicolau Ferreira Em:
http://www.publico.pt/Ci%C3%AAncias/como-nasce-um-terrivel-precedente-judicial--1568627?all=1

Comentários

Notícias mais vistas:

Diarreia legislativa

© DR  As mais de 150 alterações ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno, foram aprovadas esta sexta-feira pelo Parlamento, em votação final. O texto global apenas contou com os votos favoráveis da maioria absoluta socialista. PCP, BE e IL votaram contra, PSD, Chega, Livre e PAN abstiveram-se. Esta diarréia legislativa não só "passaram ao lado da concertação Social", como também "terão um profundo impacto negativo na competitividade das empresas nacionais, caso venham a ser implementadas Patrões vão falar com Marcelo para travar Agenda para o Trabalho Digno (dinheirovivo.pt)

A Fusão Nuclear deu um rude golpe com o assassínio de Nuno Loureiro

“Como um todo, a fusão nuclear é uma área muito vasta. Não é a morte de um cientista que impedirá o progresso, mas é um abalo e uma enorme perda para a comunidade científica, Nuno Loureiro deu contributos muito importantes para a compreensão da turbulência em plasmas de fusão nuclear” diz Bruno Soares Gonçalves , presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST . O que é a fusão nuclear e por que razão o cientista português do MIT assassinado nos EUA dizia que “mudará a História da humanidade” “Os próximos anos serão   emocionante s   para nós e para a fusão nuclear.  É o início de uma nova era” . As palavras são de Nuno Loureiro e foram escrit as em 2024 . A 1 de maio desse ano, o   cientista português   assumi a   a direção do Centro de Ciência e Fusão de Plasma (PSFC) , um dos maiores   laboratórios  do Massachussetts   Institute   of   Technology ( MIT) . A seu cargo tinha   250   investigadores , funcionário...

Aeroporto: há novidades

 Nenhuma conclusão substitui o estudo que o Governo mandou fazer sobre a melhor localização para o aeroporto de Lisboa. Mas há novas pistas, fruto do debate promovido pelo Conselho Económico e Social e o Público. No quadro abaixo ficam alguns dos pontos fortes e fracos de cada projeto apresentados na terça-feira. As premissas da análise são estas: IMPACTO NO AMBIENTE: não há tema mais crítico para a construção de um aeroporto em qualquer ponto do mundo. Olhando para as seis hipóteses em análise, talvez apenas Alverca (que já tem uma pista, numa área menos crítica do estuário) ou Santarém (numa zona menos sensível) escapem. Alcochete e Montijo são indubitavelmente as piores pelas consequências ecológicas em redor. Manter a Portela tem um impacto pesado sobre os habitantes da capital - daí as dúvidas sobre se se deve diminuir a operação, ou pura e simplesmente acabar. Nem o presidente da Câmara, Carlos Moedas, consegue dizer qual escolhe... CUSTO DE INVESTIMENTO: a grande novidade ve...