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"Está encostado às cordas". Zelensky abre as portas a negociar com Putin e arrisca "destino semelhante ao Afeganistão"



 Nos bastidores, várias agências norte-americanas estão a sondar o lado russo. O objetivo é compreender e criar as condições para uma negociação de paz, mas a Ucrânia está a começar a ficar assustada com alguns dos sinais enviados por Washington

As conversas entre os Estados Unidos e a Rússia sobre a guerra na Ucrânia estão a intensificar-se. O Kremlin admite que os contactos entre “certas agências” estão a “intensificar-se” e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu estar disponível para negociar frente a frente com “o inimigo”, Vladimir Putin. No entanto, os especialistas alertam que, apesar de as negociações se estarem a aproximar, o fim do conflito pode estar ainda “muito longe” e podemos estar prestes a observar o “fim da era Zelensky” e o “abandono da Ucrânia” por parte da administração Trump.


“O presidente Volodymyr Zelensky representa, na Ucrânia, uma visão maximalista da guerra e essa visão já terminou. Os Estados Unidos estão a abandonar um parceiro apenas por questões económica e políticas. Não há qualquer estratégia. É muito semelhante ao que aconteceu no Afeganistão. Aproximamo-nos tragicamente do fim da era Zelensky na guerra, mas estamos a assistir a isso de forma moralmente errada”, explica à CNN Portugal o professor de relações internacionais Tiago André Lopes.


A pressão para chegar a um cessar-fogo na Ucrânia não para de crescer, mas as condições para um acordo continuam a ser uma incógnita. Numa entrevista ao jornalista britânico Piers Morgan, Zelensky admitiu “ceder” e, se esse for o único caminho para que a Ucrânia “não perca mais pessoas”, está disposto a sentar-se à mesa com o presidente russo. Mas isso é algo que Vladimir Putin não está disposto a fazer. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, insiste que o “mandato de Zelensky terminou” e que a Ucrânia precisa da “legitimação da sua liderança” para que seja iniciado um processo de paz.


A posição russa não é nova, mas poucos além de Moscovo admitiam a possibilidade de eleições na Ucrânia em tempo de guerra. Isto porque a Constituição ucraniana assim o define. Só que tudo isto mudou esta semana, quando o responsável da administração Trump para as negociações entre a Rússia e a Ucrânia, Keith Kellogg, sugeriu que Kiev deve avançar para uma eleição, insistindo que na vasta maioria das democracias as eleições acontecem “até mesmo em tempo de guerra”. 


Estas declarações causaram o choque na Ucrânia. Um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros sob anonimato disse ao Politico que o alinhamento no tema das eleições entre Washington e Moscovo é “preocupante” e poderá ser “a primeira prova de que Trump e Putin concordaram que querem Zelensky fora”. Nesse sentido, os especialistas acreditam que o líder ucraniano está agora “encostado às cordas” e poderá ser pressionado para ir a eleições e, possivelmente, ser afastado.


“Diria que Zelensky está encostado às cordas e com muitas razões para estar preocupado. Vladimir Putin não tem interesse em negociar a paz e quer negociar diretamente com os Estados Unidos, ignorando a Ucrânia e a Europa, para poder negociar a relação com a NATO, as sanções e as garantias de segurança para a Rússia. Pode haver um cessar-fogo, eleições e depois negociações. Mas ele não se livra da possibilidade de ser afastado”, defende o major-general Agostinho Costa.


Apesar da pressão, Zelensky insiste que a União Europeia e os Estados Unidos devem estar presentes na mesa de negociações com a Rússia, numas futuras negociações de paz. O presidente ucraniano tem-se desdobrado em esforços para manter o apoio norte-americano e recentemente fez uma sugestão que parece ter agradado ao líder norte-americano, com a exploração das reservas de terras raras ucranianas.


Os Estados Unidos olham com preocupação para a falta deste recurso. A China, o principal rival estratégico americano, é responsável pela produção de 70% destes elementos fundamentais para a produção de tecnologias de ponta que alimentam não só a economia americana como também a própria indústria de guerra. Donald Trump afirmou que estaria disposto a manter a ajuda militar a Kiev em troca da exploração destes recursos naturais. No entanto, Zelensky foi rápido em alterar a proposta do presidente americano, sugerindo que uma exploração em cooperação das duas partes é uma forma de “proteger a Ucrânia e fazer recuar o inimigo” com armas e sanções ocidentais.


Para a Ucrânia, o apoio militar norte-americano é mais fundamental do que nunca. A Rússia está a ganhar terreno em várias regiões, embora com um preço bastante elevado. De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, o ritmo das conquistas russas está a diminuir nos primeiros meses do ano, mas as baixas não. Ainda assim, as tropas de Moscovo continuam a lançar ataques em direção à cidade de Pokrovsk, em Donetsk, e contra a vila de Chasiv Yar, nos arredores de Bakhmut. Esta realidade no terreno dá vantagem a Putin nas negociações.


“Esta já quase parece uma guerra perdida do ponto de vista militar. A quase queda de Chasiv Yar e de Toresk mostram isso. O número de baixas também é muito elevado e difícil de manter. Isso dá alguma vantagem a Putin, que só entrará nas negociações se vir alguns dos seus objetivos declarados atingidos. No entanto, Putin vai ter de perceber uma coisa: em negociação, todos têm de ceder alguma coisa”, insiste Tiago André Lopes.


O presidente Volodymyr Zelensky admitiu também que a Ucrânia sofreu perto de 390 mil baixas desde que começou a invasão russa, dos quais 45.100 são mortos. Apesar do elevado número de feridos, este não corresponde ao número total de soldados feridos, uma vez que vários militares sofreram ferimentos mais do que uma vez, no entanto os Estados Unidos estão a pressionar a Ucrânia para baixar a idade mínima de mobilização dos 25 para os 18 anos. Zelensky tem resistido à medida, mas pode vir a acabar por ceder caso Trump siga um caminho de maior pressão contra a Rússia.


De acordo com os meios de comunicação norte-americanos, chegar a um acordo pode não ser tarefa fácil para administração Trump. Dentro do executivo existem visões bastantes diferentes sobre como acabar com o conflito. O Conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, e o general Keith Kellogg são dois defensores da doutrina de “paz pela força” promovida por Donald Trump. No entanto, vozes como a do vice-presidente J.D. Vance e outras figuras veem com bons olhos uma retirada do apoio norte-americano para focar os recursos noutras regiões do globo, ao invés de continuar a apoiar a defesa da Ucrânia sem um prazo limite.


“A administração Trump pode vir a fazer com a Ucrânia aquilo que fez com o Afeganistão. Os EUA negociaram um acordo de paz com os talibãs ao mesmo tempo que o governo afegão se opunha. Os norte-americanos são pragmáticos e não querem tornar esta guerra num Vietname”, frisa Agostinho Costa.


Por João Guerreiro Rodrigues em:

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