Uma ferramenta inspirada nos enxames de abelhas está a ajudar as pessoas a prever o futuro, tornando os grupos mais inteligentes do que os seus membros quando fazem o mesmo trabalho individualmente.
Quem acredita ter descoberto a forma de aumentar a inteligência humana é o empresário Louis Rosenberg. E o segredo é muito simples: abelhas.
Rosenberg tem uma startup em Silicon Valley, nos Estados Unidos – a Unanimous AI – que criou uma ferramenta para facilitar a tomada de decisões através do levantamento de opiniões online.
A ferramenta permite que centenas de participantes respondam a uma questão de forma simultânea, juntando as suas opiniões coletivas, tendências, preconceitos e variações de conhecimentos numa única resposta.
Desde o seu lançamento, em junho passado, até à primeira quinzena de dezembro, a empresa registou cerca de 50 mil utilizadores e respondeu a 230 mil questões.
O empresário acredita que o Unanimous AI pode responder a algumas das questões mais difíceis da atualidade mas não descarta a importância dos humanos. Rosenberg acredita que, mesmo com os avanços cada vez mais rápidos da inteligência artificial, os humanos ainda podem e devem ser cruciais quando chega a hora de tomar decisões.
“Não podemos parar o desenvolvimento de inteligências artificiais. Então, a alternativa é ficarmos nós cada vez mais inteligentes para estarmos sempre um passo à frente”, explicou. E é aí que entram as abelhas.
“Se analisarmos espécies sociais como as abelhas, vemos que trabalham juntas para tomar melhores decisões. É por isso que as aves formam bandos e os peixes formam cardumes. Isso permite que reajam de uma forma otimizada. A questão é: as pessoas conseguem fazer isso?”, pergunta Rosenberg. Tudo indica que sim.
O Unanimous AI conseguiu acertar com muita eficácia em alguns eventos em 2016: a previsão dos vencedores dos Óscares; os vencedores da Stanley Cup e até os quatro primeiros colocados na corrida de cavalos de Kentucky Derby.
Mais recentemente, a ferramenta previu não só a equipa vencedora do campeonato americano de basebol – os Chicago Cubs, que não venciam desde 1908 – mas também previu quem seriam os seus adversários na final: os Cleveland Indians.
Além disso, o Unanimous AI também previu quem seriam as oito equipas que chegariam às fases finais do campeonato. Todas as previsões foram publicadas quatro meses antes no jornal americano Boston Globe.
“Sabedoria da multidão”
Para Toby Walsh, investigador em inteligência artificial da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, a questão da “sabedoria da multidão já é bem conhecida”.
“Vários métodos já foram desenvolvidos para usar a inteligência coletiva”, acrescentou.
Um exemplo é a previsão para mercados, na qual as pessoas fazem apostas financeiras, na bolsa de valores por exemplo, tendo como base o resultado de um evento futuro. O comportamento geral do mercado pode ser usado como um indicador da probabilidade daquele evento.
Outro exemplo vem de 1999. Menos de três anos depois de perder uma partida para o computador Deep Blue, da IBM, o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov resolveu enfrentar uma multidão de 50 mil pessoas num jogo online.
Na altura, o famoso jogador venceu mas admitiu que nunca se tinha esforçado tanto para conseguir ganhar uma partida. Kasparov chegou a dizer que foi “o maior jogo na história do xadrez”, graças ao grande número de ideias e diferentes pontos de vista.
Ou seja, esta ideia de pedir a opinião de muitas pessoas ao mesmo tempo não é nova. Há registos até de que tudo começou no século XX.
Em 1906, Francis Galton, um erudito da época, pediu a 787 agricultores que adivinhassem o peso de um boi. Os palpites foram variados mas a média entre todos foi apenas 450 gramas abaixo da resposta correta, que era de 542,9 quilos.
Há uns anos, a Rádio Pública Nacional dos EUA (NPR) repetiu a experiência, pedindo a mais de 17 mil pessoas para adivinhar o peso de uma vaca numa fotografia. Tal como da primeira vez, a média chegou muito perto – cerca de 5% de diferença do peso correto.
Pequenos enxames
Tal como na experiência da NPR, os participantes das experiências de Rosenberg não são especialistas. Por exemplo, nenhuma das pessoas do grupo que previu quem seriam os vencedores dos Óscares tinha visto todos os filmes sequer.
E uma das conclusões é que grupos relativamente pequenos, ou “pequenos enxames”, têm um desempenho melhor do que as multidões maiores.
No ano passado, Rosenberg fez a pergunta da vaca a um grupo de 49 pessoas. Com essas respostas, a precisão do palpite mais do que duplicou quando os participantes agiram como um enxame em comparação a simplesmente calcular a média entre as respostas do grupo.
Por isso, Rosenberg afirma que isto é muito mais do que a chamada sabedoria das multidões. “Nós tornamos os grupos de pessoas mais inteligentes”, afirma.
Decisões coletivas
Rosenberg trabalhou com sistemas de realidade aumentada para o Armstrong Labs, da Força Aérea Americana, no início da década de 90. Mas começou a interessar-se mais por abelhas.
Por exemplo, quando um enxame quer estabelecer uma nova colmeia, precisa de tomar uma decisão coletiva na hora de escolher o lugar.
Algumas centenas de abelhas voam em direções diferentes para ocupar possíveis lugares. Quando voltam, fazem uma espécie de uma dança, para passar a informação sobre o que encontraram.
Cada uma destas abelhas que saíram em busca de um novo local para a colmeia vai tentar puxar o grupo para o seu lado e, no fim, decidem em grupo qual a direção a seguir, tomando uma decisão que nenhuma abelha sozinha poderia tomar.
Rosenberg está a tentar capturar a mesma dinâmica com os seus “enxames humanos”. Responder a uma questão com a Unanimous AI envolve mover um ícone para um canto da tela ou para outro – estando a favor ou contra a multidão – até alcançar uma convergência de ideias ou opiniões.
Os indivíduos precisam disputar com os restantes membros do grupo para persuadi-los a inclinar-se na direção da sua solução preferida. Experiências já mostraram que esta abordagem supera a previsão que utiliza pesquisas.
No entanto, Rosenberg não está assim tão interessado em apostas e desportos. Aliás, o empresário sabe que muitas pessoas só vão querer usar a ferramenta para melhorar as suas apostas.
“O valor a longo prazo de ampliar a inteligência das pessoas é muito mais importante do que apostar em modalidades”, disse. Por exemplo, equipas de vendas podem fazer melhores previsões se pensarem como um enxame.
“O objetivo é realmente fazer melhor utilização do conhecimento, da sabedoria e da intuição que já existe numa equipa”, acrescenta.
A ferramenta também despertou o interesse de vários médicos. Um diagnóstico médico é uma forma de previsão que pode beneficiar da inteligência do enxame, de acordo com o criador da Unanimous AI.
“Um radiologista, um oncologista, outros especialistas podem chegar a uma conclusão sobre um diagnóstico e a nossa visão é que podem fazer um uso melhor dos seus conhecimentos e intuições combinados”, afirmou Rosenberg.
Mas há um problema
Esta ideia é grandiosa mas Toby Walsh prefere encará-la com mais cautela, porque há pelo menos um motivo para preocupação: enxames por vezes acabam em catástrofe.
As formigas, por exemplo, formam grandes grupos, deixando para trás uma trilha de feromónios que outras formigas vão acabar por seguir. Este comportamento leva a um fenómeno, conhecido como espiral da morte, que acontece quando as formigas seguem a formiga logo à frente, num círculo cada vez maior, até que todas acabam por morrer.
Ainda assim, Rosenberg não parece muito preocupado. “O enxame é uma forma muito simples de nos manter à frente das máquinas”, afirma.
Com as sondagens a fracassar de forma espetacular nos últimos tempos, como é o caso da previsão dos resultados do Brexit ou das eleições nos Estados Unidos, este pode ser o momento certo para tentar usar a nossa inteligência coletiva.
http://zap.aeiou.pt/abelhas-podem-segredo-superinteligencia-humana-146776
Quem acredita ter descoberto a forma de aumentar a inteligência humana é o empresário Louis Rosenberg. E o segredo é muito simples: abelhas.
Rosenberg tem uma startup em Silicon Valley, nos Estados Unidos – a Unanimous AI – que criou uma ferramenta para facilitar a tomada de decisões através do levantamento de opiniões online.
A ferramenta permite que centenas de participantes respondam a uma questão de forma simultânea, juntando as suas opiniões coletivas, tendências, preconceitos e variações de conhecimentos numa única resposta.
Desde o seu lançamento, em junho passado, até à primeira quinzena de dezembro, a empresa registou cerca de 50 mil utilizadores e respondeu a 230 mil questões.
O empresário acredita que o Unanimous AI pode responder a algumas das questões mais difíceis da atualidade mas não descarta a importância dos humanos. Rosenberg acredita que, mesmo com os avanços cada vez mais rápidos da inteligência artificial, os humanos ainda podem e devem ser cruciais quando chega a hora de tomar decisões.
“Não podemos parar o desenvolvimento de inteligências artificiais. Então, a alternativa é ficarmos nós cada vez mais inteligentes para estarmos sempre um passo à frente”, explicou. E é aí que entram as abelhas.
“Se analisarmos espécies sociais como as abelhas, vemos que trabalham juntas para tomar melhores decisões. É por isso que as aves formam bandos e os peixes formam cardumes. Isso permite que reajam de uma forma otimizada. A questão é: as pessoas conseguem fazer isso?”, pergunta Rosenberg. Tudo indica que sim.
O Unanimous AI conseguiu acertar com muita eficácia em alguns eventos em 2016: a previsão dos vencedores dos Óscares; os vencedores da Stanley Cup e até os quatro primeiros colocados na corrida de cavalos de Kentucky Derby.
Mais recentemente, a ferramenta previu não só a equipa vencedora do campeonato americano de basebol – os Chicago Cubs, que não venciam desde 1908 – mas também previu quem seriam os seus adversários na final: os Cleveland Indians.
Além disso, o Unanimous AI também previu quem seriam as oito equipas que chegariam às fases finais do campeonato. Todas as previsões foram publicadas quatro meses antes no jornal americano Boston Globe.
“Sabedoria da multidão”
Para Toby Walsh, investigador em inteligência artificial da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, a questão da “sabedoria da multidão já é bem conhecida”.
“Vários métodos já foram desenvolvidos para usar a inteligência coletiva”, acrescentou.
Um exemplo é a previsão para mercados, na qual as pessoas fazem apostas financeiras, na bolsa de valores por exemplo, tendo como base o resultado de um evento futuro. O comportamento geral do mercado pode ser usado como um indicador da probabilidade daquele evento.
Outro exemplo vem de 1999. Menos de três anos depois de perder uma partida para o computador Deep Blue, da IBM, o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov resolveu enfrentar uma multidão de 50 mil pessoas num jogo online.
Na altura, o famoso jogador venceu mas admitiu que nunca se tinha esforçado tanto para conseguir ganhar uma partida. Kasparov chegou a dizer que foi “o maior jogo na história do xadrez”, graças ao grande número de ideias e diferentes pontos de vista.
Ou seja, esta ideia de pedir a opinião de muitas pessoas ao mesmo tempo não é nova. Há registos até de que tudo começou no século XX.
Em 1906, Francis Galton, um erudito da época, pediu a 787 agricultores que adivinhassem o peso de um boi. Os palpites foram variados mas a média entre todos foi apenas 450 gramas abaixo da resposta correta, que era de 542,9 quilos.
Há uns anos, a Rádio Pública Nacional dos EUA (NPR) repetiu a experiência, pedindo a mais de 17 mil pessoas para adivinhar o peso de uma vaca numa fotografia. Tal como da primeira vez, a média chegou muito perto – cerca de 5% de diferença do peso correto.
Pequenos enxames
Tal como na experiência da NPR, os participantes das experiências de Rosenberg não são especialistas. Por exemplo, nenhuma das pessoas do grupo que previu quem seriam os vencedores dos Óscares tinha visto todos os filmes sequer.
E uma das conclusões é que grupos relativamente pequenos, ou “pequenos enxames”, têm um desempenho melhor do que as multidões maiores.
No ano passado, Rosenberg fez a pergunta da vaca a um grupo de 49 pessoas. Com essas respostas, a precisão do palpite mais do que duplicou quando os participantes agiram como um enxame em comparação a simplesmente calcular a média entre as respostas do grupo.
Por isso, Rosenberg afirma que isto é muito mais do que a chamada sabedoria das multidões. “Nós tornamos os grupos de pessoas mais inteligentes”, afirma.
Decisões coletivas
Rosenberg trabalhou com sistemas de realidade aumentada para o Armstrong Labs, da Força Aérea Americana, no início da década de 90. Mas começou a interessar-se mais por abelhas.
Por exemplo, quando um enxame quer estabelecer uma nova colmeia, precisa de tomar uma decisão coletiva na hora de escolher o lugar.
Algumas centenas de abelhas voam em direções diferentes para ocupar possíveis lugares. Quando voltam, fazem uma espécie de uma dança, para passar a informação sobre o que encontraram.
Cada uma destas abelhas que saíram em busca de um novo local para a colmeia vai tentar puxar o grupo para o seu lado e, no fim, decidem em grupo qual a direção a seguir, tomando uma decisão que nenhuma abelha sozinha poderia tomar.
Rosenberg está a tentar capturar a mesma dinâmica com os seus “enxames humanos”. Responder a uma questão com a Unanimous AI envolve mover um ícone para um canto da tela ou para outro – estando a favor ou contra a multidão – até alcançar uma convergência de ideias ou opiniões.
Os indivíduos precisam disputar com os restantes membros do grupo para persuadi-los a inclinar-se na direção da sua solução preferida. Experiências já mostraram que esta abordagem supera a previsão que utiliza pesquisas.
No entanto, Rosenberg não está assim tão interessado em apostas e desportos. Aliás, o empresário sabe que muitas pessoas só vão querer usar a ferramenta para melhorar as suas apostas.
“O valor a longo prazo de ampliar a inteligência das pessoas é muito mais importante do que apostar em modalidades”, disse. Por exemplo, equipas de vendas podem fazer melhores previsões se pensarem como um enxame.
“O objetivo é realmente fazer melhor utilização do conhecimento, da sabedoria e da intuição que já existe numa equipa”, acrescenta.
A ferramenta também despertou o interesse de vários médicos. Um diagnóstico médico é uma forma de previsão que pode beneficiar da inteligência do enxame, de acordo com o criador da Unanimous AI.
“Um radiologista, um oncologista, outros especialistas podem chegar a uma conclusão sobre um diagnóstico e a nossa visão é que podem fazer um uso melhor dos seus conhecimentos e intuições combinados”, afirmou Rosenberg.
Mas há um problema
Esta ideia é grandiosa mas Toby Walsh prefere encará-la com mais cautela, porque há pelo menos um motivo para preocupação: enxames por vezes acabam em catástrofe.
As formigas, por exemplo, formam grandes grupos, deixando para trás uma trilha de feromónios que outras formigas vão acabar por seguir. Este comportamento leva a um fenómeno, conhecido como espiral da morte, que acontece quando as formigas seguem a formiga logo à frente, num círculo cada vez maior, até que todas acabam por morrer.
Ainda assim, Rosenberg não parece muito preocupado. “O enxame é uma forma muito simples de nos manter à frente das máquinas”, afirma.
Com as sondagens a fracassar de forma espetacular nos últimos tempos, como é o caso da previsão dos resultados do Brexit ou das eleições nos Estados Unidos, este pode ser o momento certo para tentar usar a nossa inteligência coletiva.
http://zap.aeiou.pt/abelhas-podem-segredo-superinteligencia-humana-146776
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