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A frota "fantasma" de Putin está a mudar e o tempo para a travar está a esgotar-se



 As embarcações são velhas, mas cumprem o seu propósito. Transportam mais de 70% do petróleo russo pelo mar, mas podem tornar-se mais do que isso

Operam nas sombras da legalidade, através de uma rede opaca de empresas fantasma, para garantir que o Kremlin consegue contornar as sanções e garantir uma fonte de rendimento crucial para sustentar o esforço de guerra. Os governos ocidentais estão a tentar apertar o garrote da frota russa, mas o caminho é longo. E com a Ucrânia a lutar uma guerra de desgaste que lhe pode custar a existência, os especialistas alertam que a frota secreta de Putin continua a crescer e que agora pode ter um novo propósito que pode servir diretamente o exército russo.


“A frota sombra é absolutamente indispensável. A razão pela qual a Rússia é capaz de vender tanto petróleo é devido ao acesso a esta frota. Ela não pertence diretamente à Rússia. É propriedade de um grupo de homens de negócios que viram uma oportunidade. Não têm qualquer afinidade ideológica, mas tornaram-se um instrumento fundamental para o Kremlin não apenas para a venda de petróleo”, alerta Elizabeth Braw, investigadora do Atlantic Council, especializada em ameaças híbridas.


A cada dia que passa, a frota “fantasma” russa ganha importância. Depois de mais de uma década a construir uma “fortaleza” económica para resistir às sanções ocidentais, os três anos de guerra na Ucrânia e as mais de 20 mil sanções impostas começam a criar brechas na economia russa. Falta aguda de mão-de-obra, uma das taxas de inflação mais elevadas do mundo e o rublo a perder valor estão a tornar a Rússia cada vez mais dependente da exportação de petróleo, que se tornou um instrumento fundamental para obter dólares e estabilizar a moeda russa.


O Ocidente compreende que esta frota se tornou um instrumento crucial para o Kremlin manter os mais de 160 mil milhões de euros do seu orçamento de Defesa. De acordo com um relatório do think tank de Defesa britânico Royal United Services (RUSI), o esquema criado pela Rússia para contornar as sanções ao petróleo é responsável pelo transporte de 70% de todos os produtos petrolíferos russos, permitindo vender 4,1 milhões de barris por dia acima do limite de 60 dólares impostos pelo G7. Estima-se que a Rússia fature 30 mil milhões de dólares por ano, por cada dez dólares que vende acima do preço.


Mas esta frota não representa apenas uma gigantesca fonte de rendimento para o Kremlin. Todo o esquema tem permitido à Rússia manter “vivo” o rublo. As vendas de produtos petrolíferos russos são maioritariamente feitas em dólares. Esses dólares são depois utilizados pelo Banco Central da Rússia para reduzir a pressão sobre o rublo, no mercado cambial. Isto permite a Moscovo mitigar parcialmente os efeitos das sanções.


“Apenas este ano, a frota ‘fantasma’ permitiu à Rússia gerar dez mil milhões de dólares em receitas adicionais. É um valor significativo. Se conseguirmos retirar este valor do balanço comercial russo, isso significa uma quantidade menor de entradas de moeda estrangeira, mais pressão de depreciação sobre o rublo, mais inflação importada e mais pressão sobre o banco central para aumentar as taxas de juros”, explica Benjamin Hilgenstock, economista do Kyiv School of Economics, especialista nas sanções económicas contra a economia russa.


No passado, regimes como o da Coreia do Norte, Venezuela e Irão utilizaram esquemas semelhantes para escapar às sanções impostas pelos Estados Unidos da América. Mas o Kremlin pegou neste esquema e deu-lhe uma dimensão e sofisticação sem precedentes. Em pouco menos de dois anos, a frota paralela aumentou significativamente e conta com aproximadamente mil embarcações, de acordo com um estudo do Kyiv School of Economics. Estima-se que atualmente corresponda a 17% de todos os navios petrolíferos do mundo.


Estes “navios fantasmas” são propriedade de empresas opacas, que não cumprem as normas de segurança necessárias para operar em mar alto. As empresas estão sediadas em paraísos fiscais ou em endereços fictícios.  Muitas vezes, estas embarcações operam com bandeiras de países como o Panamá, Gabão, as Ilhas Marshall ou até da Libéria, uma vez que estas jurisdições têm pouca atividade regulatória, e transportam a bordo documentação falsa de seguradoras. Tudo isto torna o trabalho das autoridades extremamente difícil de descobrir quem são os verdadeiros proprietários dos navios.


Os petroleiros são, na maior parte dos casos, navios em fim de vida que se preparavam para ser desmantelados e vendidos por peças. Apesar de não existir uma idade máxima estipulada, grande parte dos operadores e seguradores retiram os petroleiros quando chegam aos 15 anos de serviço. Com o governo russo disposto a pagar qualquer preço para poder contornar as sanções, vários empresários encontraram no Kremlin uma forma rápida e eficaz de transformar os seus velhos petroleiros em máquinas de fazer dinheiro.


“Empresários com poucos escrúpulos encontraram uma forma de fazer dinheiro. Estes são navios velhos que já não deviam poder navegar. Agora, os armadores dos navios que estão a atingir a idade de reforma vêm aqui uma enorme oportunidade de negócio ao vendê-los a operadores duvidosos”, explica Elizabeth Braw.


E isso fez com que os navios utilizados na frota “fantasma” russa tenham uma idade média de 18 anos, o que representa um risco crescente de acidentes, que podem resultar em autênticas catástrofes ambientais. Foi isso que aconteceu no dia 17 de dezembro, no Mar Negro, quando dois petroleiros russos foram danificados durante uma tempestade e derramaram mais de 3.700 toneladas de petróleo perto do estreito de Kerch, na península ocupada da Crimeia. Estes dois navios têm cerca de 50 anos, de acordo com a imprensa russa. Um membro da tripulação morreu e 26 foram resgatados com vida.


A Rússia também faz grandes esforços para ocultar a origem do petróleo. Uma das técnicas mais recorrentes utilizada pela frota para despistar os movimentos do petróleo passa por desligar o sistema de transmissão de dois navios da frota, de forma que desapareçam do sistema de rastreio. De seguida, os dois encontram-se em alto mar e transferem para outra embarcação. Isto permite à Rússia esconder a origem do petróleo e vendê-lo acima do preço máximo de 60 dólares estipulado pelos países do G7. Esta é uma das estratégias mais recorrentes e já aconteceu várias vezes em águas nacionais, ao largo do arquipélago dos Açores.


Moscovo também utiliza sistemas de guerra eletrónica para bloquear o sinal de GPS dos navios à medida que eles se aproximam de portos russos. Isto faz com que eles deixem de ser visíveis e permite esconder possíveis transações, mas também acabar por esconder a real dimensão desta frota na economia russa. Atualmente, o Kremlin já utiliza esta frota paralela para transportar todo o tipo de matérias-primas. Os especialistas admitem que pode ser apenas uma questão de tempo até ser utilizado para o “transporte marítimo estratégico” russo.


“Transporte marítimo estratégico é uma dessas atividades militares indispensáveis que acontecem longe dos olhos do público: embarcações comerciais que transportam equipamentos necessários para exércitos, de tanques a combustível. E se a Rússia ou seus amigos decidiram lançar um novo conflito militar, eles agora poderiam recorrer à frota sombra”, garante Elizabeth Braw.


Mas as soluções para travar a Rússia são reduzidas e complexas. Recentemente, uma coligação de países europeus aprovou um novo pacote de sanções para contrariar a frota russa. O objetivo é obrigar todos os petroleiros russos que passam águas europeias a ter cobertura de seguro adequada em caso de acidente. Este novo mecanismo permite a abordagem a navios da frota no estreito da Dinamarca, no golfo da Finlândia e no estreito da Suécia e da Dinamarca. Caso não tenham a documentação necessária ou se recusem a mostrá-la, os navios serão sancionados.


Isto torna cada vez mais difícil para empresas e operadoras internacionais de interagir com estas embarcações, incluindo seguradoras, portos ou fornecedores. Dezenas de navios já estão na lista de navios sancionados e estão proibidos de utilizar portos europeus ou de aceder a serviços de empresas europeias. Ainda assim, o Ocidente tem sancionado poucos navios de cada vez, de forma a evitar um impacto no mercado energético. Esta medida aumenta significativamente os custos para Moscovo, que necessita de recorrer ao mercado paralelo para encontrar meios de transporte e de seguros para exportar os seus produtos.


“As sanções diretas às embarcações provaram ser uma ferramenta poderosa. O sancionamento dos navios gera custos irrecuperáveis significativos para a Rússia e obriga-a a utilizar navios abrangidos pelo limite de preços. O ataque contra as seguradoras destes navios é encorajador. Acredito que devemos chegar a um ponto em que sancionamos toda a frota para que simplesmente deixe de existir”, defende Benjamin Hilgenstock.


A solução mais drástica de banir, capturar ou afundar os navios é algo que está completamente descartado, uma vez que violaria vários tratados internacionais Por isso, outra das opções sugerida pelos especialistas passa pelo processo laborioso de seguir “o rasto do dinheiro” para descobrir a vasta rede de empresas fachada até chegar ao verdadeiro proprietário da embarcação. Elizabeth Braw acredita que é necessário expor os empresários que fazem negócios com o Kremlin e o ajudam a financiar o esforço de guerra.


“A medida mais eficaz é expor os donos. Se os seus nomes fossem divulgados, muitos teriam vergonha, incluindo os que fazem parte do crime organizado”, sugere.


Só que, há medida que o tempo passa, a frota continua a crescer e torna-se progressivamente mais difícil de travar. Se não for travada, aquilo que se tornou num recurso para Putin, pode acabar por se transformar numa estrutura paralela permanente ao serviço de todos os interessados em escapar a sanções. Sem medidas mais duras e coordenadas, a frota “fantasma” arrisca transforma-se em algo muito mais poderoso do que já é, tornando-se numa extensão do exército russo, pronta a ser utilizada em futuros conflitos. 


A frota "fantasma" de Putin está a mudar e o tempo para a travar está a esgotar-se - CNN Portugal


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