Protocolo para as migrações exige às empresas que forneçam habitação e formação aos migrantes em troca de vistos em 30 dias. A contra-proposta dos patrões pede garantias: ou os imigrantes ficam no país por um período mínimo ou o Estado reembolsa as empresas pelos custos com o trabalhador.
As empresas asseguram contrato, formação e alojamento e, em troca, o Governo compromete-se a acelerar o processo dos vistos dos imigrantes, em parceria com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), nos postos consulares dos países de origem em 30 dias. Esta é a base do protocolo de cooperação apresentado pelo Governo às confederações patronais no início do mês e que está agora a ser discutido. No início de janeiro, o ministério liderado por António Leitão Amaro voltará a sentar-se à mesa com os representantes das empresas e, ainda esta semana, as confederações irão reunir-se para alinhar as propostas a apresentar ao Executivo. Os patrões pedem uma responsabilidade partilhada à tutela e têm já algumas medidas definidas que querem ver asseguradas.
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) defende que seja garantido um tempo de permanência mínima dos trabalhadores estrangeiros no país de forma a evitar que estes profissionais migrem para outras geografias na Europa. “Este visto não será apenas válido para Portugal, é válido para o espaço Schengen, do qual fazemos parte. Não faz sentido que sejam as empresas portuguesas a custear a formação, a deslocação para Portugal e os custos de estadia e que depois Portugal seja uma porta aberta para a Europa à custa do investimento das empresas portuguesas. Precisamos de encontrar soluções que não violem as regras comunitárias de circulação de pessoas e que acomodem essa circunstância para que as empresas não estejam a investir correndo depois o risco de perderem os trabalhadores”, explica ao DN o presidente da CIP.
Armindo Monteiro frisa que deverá ser encontrado um mecanismo que permita calcular o investimento das empresas “sem, no entanto, colocar em causa o cumprimento das leis europeias”. O líder da CIP sugere que os contratos laborais celebrados definam um período mínimo de permanência ou, em alternativa, que o Governo garanta um mecanismo de reembolso dos custos contraídos com os trabalhadores. “Preferimos, naturalmente, ir pela via contratual, e encontrar mecanismos na lei que nos permitam assegurar este quadro. Não queremos transferir para o Estado esta responsabilidade que deve ser entre a empresa e o trabalhador, mas precisamos de um compromisso e de um equilíbrio. As empresas não podem ter as responsabilidades todas, é preciso que exista uma garantia caso as coisas corram mal”, aponta.
“Não estamos a sugerir que isto seja assim eternamente, ou seja, não é para as pessoas ficarem amarradas às empresas, mas que exista a obrigação de um período de permanência mínimo que permita, naturalmente, justificar os custos que a empresa teve”, elucida.
A proposta do ministro da Presidência, que surge no âmbito do Plano de Ação para as Migrações, apresentado em junho, e após o fim do regime das manifestações de interesse, é uma das respostas do Executivo à falta de mão de obra nos vários setores da economia, como a construção, a indústria, a agricultura ou o turismo, através da aceleração dos processos de pedidos e concessão de vistos. Os patrões ouvidos pelo DN reconhecem a “disponibilidade” do Executivo na matéria, mas alertam para o peso das responsabilidades que são imputadas a quem contrata. “Aquilo que se está a dar como contrapartida às empresas é que, na prática, os serviços funcionem bem com a emissão dos vistos em tempo oportuno. Portanto, não é propriamente um ganho extraordinário, é um ganho de eficiência. Se os serviços funcionassem bem, isto não seria um tema. No fundo, está a dizer-se: “se querem que isto funcione bem e que sejamos eficientes, então vamos ver quais são as vossas obrigações”, nota Armindo Monteiro.
Isenção fiscal na habitação
O capítulo da habitação é o que tem gerado mais dúvidas às confederações que acusam a proposta do Governo de ser “vaga” e “pouco clara”. Garantir alojamento aos trabalhadores imigrantes é uma das condições impostas às empresas para acederem a esta “via verde” de mão de obra estrangeira, mas os representantes assumem que é imperativo um esclarecimento de intenções nas próximas rondas negociais.
“O protocolo fala em responsabilização, mas isso pode significar garantir alojamento ou ter instalações próprias, podem ser várias coisas. É uma intenção geral que precisa de ser detalhada”, sinaliza ao DN João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).
Já a CIP diz “aceitar e assumir a responsabilidade na procura de soluções de habitação” com a condição de o Governo garantir a isenção fiscal. A atribuição de alojamento aos trabalhadores é considerado um rendimento em espécie e está, desta forma, sujeita a tributação em sede de IRS e de Segurança Social, tanto para os trabalhadores como para as organizações.
“Não queremos que as empresas se comprometam com a resolução desta carência da habitação, assumindo um papel de responsabilidade social, para depois o benefício não ser apenas do trabalhador, mas também do próprio Estado. Se nada for alterado no código tributário, as empresas e os trabalhadores pagam impostos nesta situação. Somos contra”, elucida Armindo Monteiro.
O presidente da CIP teme que “a disponibilidade das empresas para ajudar a resolver um problema se inverta e passe a ser um acréscimo de obrigações tributárias”, resultando em receitas para o Estado por via destes impostos. O responsável pede ainda uma delimitação das circunstâncias para a atribuição da habitação, diferenciado “problemas sociais” de outros cenários. “Imagine-se o caso da contratação de um engenheiro aeronáutico estrangeiro com um vencimento enorme. Não é por receber um salário estratosférico que não continua a ser imigrante. Faz sentido, nestes casos concretos, ser a empresa a garantir a habitação a um quadro altamente qualificado que vem auferir um rendimento elevado? A resposta é não”, afiança.
Do lado da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) a resposta habitacional deve ser desenhada em cooperação “envolvendo as empresas, o Governo e os municípios”. “Tem de existir um esforço conjunto, porque não se pode exigir aos empregadores que para um trabalhador estrangeiro tenham que ir verificar onde é que ele vive e dorme, quando a empresa não faz isso para os trabalhadores nacionais. Portanto, tem que se encontrar uma solução que garanta que há condições condignas. O próprio Estado quando contrata pessoas não vai ver onde é que elas moram, qual é a habitação que têm ou quantas pessoas vivem nessa casa. Corremos o risco de criar uma discriminação com as pessoas que vêm”, alerta o secretário-geral da CAP, Luís Mira.
Celeridade nas cartas
A lista de propostas que os patrões irão apresentar no próximo encontro com o ministro da Presidência está ainda a ser limada por estes dias. Os vários representantes esperam que, depois de se reunirem entre si logo após o Natal, consigam concertar alguns pontos para discutir com Leitão Amaro. Para a CCP é fundamental que, além de agilizar os vistos, o Governo garanta um mecanismo célere para a validação das cartas de condução. “Os setores dos transportes enfrentam sempre dificuldades, porque os institutos públicos demoram muito tempo na validação das cartas de condução de cidadãos estrangeiros. Precisamos que sejam definidos mecanismos de validação rápida para que os trabalhadores não fiquem três ou quatro meses à espera das cartas de condução. Convém estar tudo validado antes de o trabalhador chegar, para evitar que as empresas estejam a assegurar os custos durante este período e as pessoas sem poderem trabalhar”, propõe João Vieira Lopes.
Verificação de cadastro
Armindo Monteiro acrescenta que é ainda vital a colaboração do Governo e das entidades competentes na verificação do registo criminal dos trabalhadores a serem recrutados. “O texto do protocolo refere que as empresas têm de se responsabilizar pelo trabalhador no país. É necessário, então, que haja também essa identificação de alguma incidência que possa surgir antes de o trabalhador vir, uma verificação de cadastro. O que se espera é que essa avaliação seja feita pelas autoridades, porque, naturalmente, não são as empresas que têm acesso a esta informação. As empresas têm de ter a absoluta colaboração das entidades competentes”, pede.
O “patrão dos patrões” irá ainda sugerir no âmbito das conversações com o Executivo e restantes confederações a criação de um incentivo à atração de trabalhadores com elevadas qualificações. “Não podemos apenas incentivar os imigrantes de baixas qualificações, também temos de trazer os trabalhadores de qualificações elevadas como é o caso dos nómadas digitais. Precisamos que Portugal seja atrativo para esta mão de obra qualificada, oferecendo aos trabalhadores que se fixem uma tributação competitiva, como, aliás, já existiu”, relembra.
Do documento apresentado pelo Governo, o líder da CIP destaca ainda como positiva a possibilidade de a formação poder ser ministrada aos trabalhadores - outra das condições obrigatórias para aceder a este regime de vistos rápidos - nos países de origem, permitindo, defende, que seja feita “uma identificação e uma seleção dos melhores recursos”.
Já a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) menciona estar, nesta altura, em ações de reflexão para traçar propostas. “A primeira leitura que temos deste protocolo é que está muito aberto. É um princípio, mas ainda não tem meio nem fim. Estamos, neste momento, a falar com os nossos associados para ver com eles exatamente o que é que é possível abranger”, elucida ao DN o presidente da CTP, Francisco Calheiros.
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