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Dermatologista ganhou mais de 51.000€ num dia de trabalho no maior hospital público do país (e 400.000€ em 10 dias)



Um dermatologista do Hospital Santa Maria, em Lisboa, recebeu mais de 51 mil euros num único dia de trabalho extra, ao abrigo do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que permite a realização de cirurgias fora do horário normal para reduzir listas de espera.


Este valor faz parte de um total de 400 mil euros pagos ao médico Miguel Alpalhão por 10 dias de trabalho suplementar ao longo de 2024 – em média, 40 mil euros por sábado.


Ao longo de mais de dois mil documentos analisados entre 2021 e novembro de 2024, a equipa de reportagem do Exclusivo da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal) encontrou discrepâncias graves no uso do programa SIGIC no Hospital de Santa Maria, o maior hospital público do país. O nome de Miguel Alpalhão destacou-se como beneficiário de valores muito acima dos praticados no setor.


As cirurgias realizadas eram procedimentos simples como a remoção de quistos e sinais benignos, com duração média de 10 minutos – usados como “moeda de troca” para justificar produção regular e habilitar o acesso ao SIGIC ao fim de semana.


Para garantir esse acesso, os profissionais têm de cumprir metas: realizar uma proporção de pelo menos duas cirurgias regulares para cada uma realizada ao abrigo do SIGIC, segundo regras internas a que a reportagem teve acesso.


O caso complica-se com um detalhe relevante: Miguel Alpalhão era o único codificador do serviço de dermatologia, o que significa que era ele próprio quem introduzia os dados no sistema, validando a produção que gerava os pagamentos adicionais – inclusive os seus.


Segundo apurou a TVI, no final de 2023 o médico utilizou o sistema para realizar cirurgias benignas aos próprios pais, levantando sérias dúvidas sobre o uso de recursos públicos para fins pessoais.


"Quem recebeu indevidamente vai ter de devolver o dinheiro"

Confrontado com os números, o presidente do Hospital de Santa Maria, Carlos Martins, mostrou-se visivelmente surpreendido e garantiu que, caso os montantes se confirmassem, seriam "inadmissíveis de todo".


Carlos Martins prometeu ação imediata e suspendeu de imediato o programa adicional de cirurgias ao fim de semana e ordenou a abertura de uma auditoria interna, chamando também a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).


"A nossa instituição, como as instituições do SNS, tem um conjunto de medidas que cegam e há um conjunto de pontos de controlo - vejamos, há duas portarias que temos de cumprir. Nós temos um regulamento interno, que aliás no ano passado foi alterado duas vezes, alterado em sentido de fazermos ajustamentos à produção adicional. Temos depois, além desse contrato com os serviços, temos depois o gabinete de codificação, que faz a codificação. Criámos entre o gabinete de codificação e a unidade local de gestão do acesso - que verifica se os processos têm condições de pagamentos - uma auditoria à codificação."


Carlos Martins garantiu que os mecanismos de controlo estão agora a ser reforçados e que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) também está envolvida na investigação e assegurou que "quem recebeu indevidamente vai ter de devolver o dinheiro.”


"As auditorias vão verificar se os pagamentos estão corretos, se as codificações estão corretas. Se não estiverem, vai haver regresso à instituição, o direito de regresso. Ou seja, quem recebeu indevidamente vai ter de devolver o dinheiro", acrescentou.


Cátia Esteves, jornalista responsável pela investigação, afirma que "isto é um problema" que não se cinge ao hospital de Santa Maria, uma vez que já foram recebidas "várias denúncias sobre outros casos, noutros hospitais". 


"Este tema é uma coisa macro e é uma coisa que abrange todo o país. Nunca ninguém olhou para isto, nunca ninguém olhou para o próprio sistema informático - que é frágil e que permite que haja erros deste tipo. E outra coisa que é a codificação, que é uma área muito específica da medicina, e foi aí também que detetei alguns erros: por exemplo, a simples diferença entre pequena cirurgia e cirurgia do ambulatório. Estas cirurgias todas estão classificadas como cirurgia do ambulatório, mas para isso, e está na lei, é preciso um anestesista, é preciso haver recobro, monitorização e estas cirurgias são feitas numa sala onde se fazem pequenos processamentos e isto é uma pequena cirurgia. Os tempos desde a hora da admissão até à hora da alta são 30 minutos, 40 minutos, desde que o doente chega à instituição até que sai já com a cirurgia feita", revela a jornalista.


A reportagem contactou o dermatologista Miguel Alpalhão e o diretor do serviço de dermatologia, Paulo Filipe, mas até ao momento não obteve resposta.


MP já está a analisar o caso

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) afirmou não ter competências para auditar casos desta natureza e remeteu responsabilidades para a direção-executiva do SNS e a IGAS - ambas, porém, não responderam às questões colocadas pela TVI e pela CNN Portugal.


Em contexto de contenção orçamental, e com os hospitais públicos a enfrentarem desafios sérios de financiamento, o caso levanta questões sobre a transparência, a fiscalização e a justiça na gestão de dinheiros públicos.


Com auditorias em curso e a promessa de devolução de verbas, o desfecho ainda está por escrever. Mas uma coisa é certa: o caso expõe as falhas de um sistema que, criado para agilizar cuidados, pode estar a ser explorado para enriquecimento pessoal com dinheiro do Estado.


Entretanto, o Ministério Público solicitou informações ao hospital e está já a analisar o caso.


A história do dermatologista que ganhou mais de 51.000€ num dia de trabalho no maior hospital público do país (e 400.000€ em 10 dias) - TVI Notícias


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