Guia completo com fundamento jurídico para garantir que tudo bem ao realizar qualquer tipo de transação imobiliária.
A verificação da regularização imobiliária é um passo essencial, quer seja no âmbito da fase preliminar de qualquer transação, como para garantir a segurança jurídica do imóvel e a tranquilidade do(s) seu(s) proprietário(s). Um imóvel devidamente regularizado reduz significativamente o risco de litígios e impede entraves em transações como vendas, arrendamentos ou financiamentos, entre outros. Além disso, transmite maior confiança a compradores, investidores e instituições financeiras, valorizando o seu património. Naturalmente, um imóvel não regularizado perde valor e torna-se menos atrativo. Explicamos tudo neste artigo com fundamento jurídico. *
A instrução de um processo de aquisição de bem imóvel exige, como diligência prévia imprescindível, a realização de uma auditoria jurídica, vulgarmente designada por 'due diligence'. Esta diligência visa identificar eventuais irregularidades, ónus ou encargos que possam afetar a validade e a segurança da transação.
Nesse sentido, a parte interessada deverá, desde logo, munir-se de documentação atualizada e idónea, maxime, a Certidão Permanente Predial e a Caderneta Predial Urbana, documentos sobre os quais nos debruçaremos com maior detalhe ao longo do presente artigo.
Documentos fundamentais para uma transação imobiliária

Certidão Permanente do Registo Predial (CRP)/ Informação Predial Simplificada
- O que é e qual a sua finalidade?
Também conhecida por Certidão de Teor, é um documento de natureza pública, emitido pelas Conservatórias do Registo Predial, e destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
A Certidão contém um extrato fidedigno dos registos associados a um determinado prédio (de natureza rústica, urbana ou mista), permitindo o acesso a um conjunto relevante de informações, nomeadamente:
- A descrição do imóvel, incluindo a sua localização, composição, área, confrontações e demais elementos identificativos;
- A titularidade do direito de propriedade, com identificação do(s) actual(ais) proprietário(s), tal como resulta do registo em vigor;
- A existência de ónus, encargos ou limitações ao direito de propriedade, como hipotecas, penhoras, usufrutos, servidões, cláusulas de inalienabilidade ou arrendamentos registados (contratos com uma duração superior a 6 anos);
- A eventual existência de registos provisórios ou pendentes, que podem indicar situações jurídicas em formação ou suscetíveis de litígio.
A certidão de registo predial assume, por isso, um papel central na verificação da situação jurídica de um imóvel, sendo absolutamente indispensável em atos como a compra e venda, doações, partilhas, constituição de garantias reais ou em diligências judiciais que envolvam bens imóveis.
A relevância destes elementos revela-se particularmente acentuada, tendo em conta que, nos termos da legislação aplicável, os factos translativos de direitos reais, bem como os que envolvam a constituição de ónus ou encargos sobre bens imóveis, carecem de inscrição prévia ou simultânea a favor do transmitente ou do sujeito passivo do encargo no Registo Predial, sob pena de ineficácia ou nulidade do negócio jurídico.
- Onde e como consultar?
A forma mais prática e económica de obter a certidão permanente do registo predial é através da plataforma Predial Online. Este método permite aceder ao documento sem sair de sua casa (geralmente, leva até 48 horas após o pagamento da taxa, mas pode demorar mais tempo dependendo do lugar e da situação específica) e com um custo de 15,00€ (quinze euros), pois beneficia do desconto de 10% sobre o valor total.
No entanto, também se pode fazer o pedido presencialmente numa Conservatória do Registo Predial, numa Loja de Cidadão ou num Espaço Registos. Nesse caso, a certidão será entregue em formato papel, e sujeita ao pagamento do valor total de 20,00€ (vinte euros).
Independentemente do método que se optar, há que ter em atenção que terá de se possuir elementos que permitam identificar o imóvel em causa, nomeadamente, a sua localização (distrito/concelho e freguesia), o número de descrição no registo predial e a letra da fração autónoma (se aplicável). Podem-se encontrar estas informação, por exemplo, na caderna predial urbana, na nota de liquidação do IMI, ou na escritura de compra e venda.
A certidão é válida por 6 (seis) meses e caso pretenda proceder à sua renovação, a mesma deve ser pedida durante o último mês de validade.
- Informação Predial Simplificada
A Portaria n.º 54/2011, de 28 de janeiro, veio criar o serviço de disponibilização online de informação não certificada, designado por “Informação Predial Simplificada”, que consiste na disponibilização permanente em suporte eletrónico do acesso a informação não certificada, existente sobre prédio descrito, extraída de forma automática da respetiva ficha informatizada.
Atente-se que a informação disponibilizada consiste na indicação de elementos essenciais da descrição, dos titulares do direito de propriedade e de outros direitos restritivos daquele, na simples menção da existência ou não de hipotecas, de penhoras e de quaisquer outros ónus ou encargos ou de outros factos registados, bem como de apresentações pendentes.
Esta medida enquadra-se no esforço de simplificação e modernização administrativa no âmbito do registo predial, permitindo aos interessados o acesso expedito e económico a dados sobre a situação jurídica do imóvel, mediante a disponibilização de um código de acesso que permite a visualização da informação através da Internet, e que tem a validade de 1 (um) ano.
O custo associado ao pedido desta informação é de 1,00€ (por prédio), caso seja feito online e de 5,00€ (por prédio), caso realizado via presencial.
Importa sublinhar que, não se tratando de uma certidão, a informação disponibilizada não constitui meio de prova legalmente certificado, servindo apenas fins informativos, ainda que se encontre permanentemente atualizada.

Caderneta Predial Urbana (CPU)
- O que é e qual a sua finalidade?
Também designada por Certidão Matricial, a Caderneta Predial Urbana é um documento emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que reúne os principais elementos de natureza fiscal relativos a um determinado imóvel.
A informação constante deste documento varia consoante o tipo de prédio, e inclui, entre outros dados relevantes:
- A identificação do prédio, mencionando o distrito, concelho, freguesia e artigo matricial, bem como a sua natureza (urbana ou rústica);
- A localização do prédio, através da indicação da morada completa;
- Respetivas confrontações ao imóvel;
- A descrição do imóvel, onde se determina se o prédio está constituído em regime de propriedade total (com ou sem andares e com ou sem divisões suscetíveis de utilização independente) ou horizontal, quando um prédio está dividido em várias frações autónomas (apartamentos, lugares de garagem, etc.);
- Área total: incluindo área do terreno, área de implantação, área bruta privativa, entre outras;
- A Identificação da fração autónoma, caso o prédio esteja constituído em regime de propriedade horizontal: a sua afetação (habitação/serviços), tipologia (n.º de divisões), permilagem, etc.;
- Avaliação: ano de inscrição na matriz, fórmula de cálculo do Valor Patrimonial Tributário e o seu valor atual, coordenadas geográficas e data da última avaliação;
- Menção dos Titulares do prédio, seu nome, número de identificação fiscal, morada fiscal e tipo de titularidade (propriedade plena, usufruto, etc.);
- Meio de obtenção e data de emissão do documento, cuja validade é de 12 meses.
- Eventual benefício de Isenção de IMI atribuído ao prédio e razões para tal, o valor isento e o prazo de isenção.
A caderneta predial assume particular relevância para efeitos de cumprimento de obrigações fiscais, nomeadamente no âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), e do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT), e reveste-se igualmente de importância em diversas operações jurídicas e financeiras, tais como a constituição de garantias hipotecárias, processos de compra e venda, ou outras transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis, sendo inclusive exigida para a celebração de contratos de fornecimento de água e eletricidade, bem como para a subscrição de seguros multirriscos-habitação, entre outras diligências essenciais associadas à utilização e exploração do imóvel.
- Onde e como consultar?
Ao contrário da Certidão permanente do Registo Predial, a caderneta predial apenas é acessível ao(s) titular(es) inscrito(s) na matriz predial. A sua consulta por terceiros não é permitida, salvo em casos legalmente autorizados.
Caso seja o proprietário do prédio, poderá obter a Certidão Matricial, de forma gratuita, através do seu Portal das Finanças, acedendo com o Número de Identificação Fiscal (NIF) e a respetiva senha de acesso. Após autenticação, deverá seguir os passos indicados aqui pela Autoridade Tritbutária para emissão do documento.
Se pretender deslocar-se a uma repartição de Finanças, terá de apresentar o seu documento de identificação e o número do artigo matricial do imóvel, contudo, este serviço poderá ter custos associados.
- Cruzamento de dados
Após obter a certidão do registo predial e a caderneta predial urbana, torna-se imprescindível proceder à análise cruzada da informação constante em ambos os documentos.
Embora ambos se refiram ao mesmo imóvel, é possível identificar divergências entre os dados inscritos na Conservatória do Registo Predial e aqueles registados junto da Autoridade Tributária. Estas discrepâncias podem ocorrer por vários motivos, como atualizações não comunicadas, erros de medição, alterações urbanísticas não regularizadas, ou simples omissões administrativas.
Assim, é fundamental verificar a coerência da informação relativa à área, localização, titularidade e eventuais ónus ou encargos, a fim de assegurar a segurança jurídica do negócio e evitar entraves em etapas futuras, como a escritura pública ou o registo da transmissão.
Uma das situações em que mais frequentemente se identificam discrepâncias entre os documentos do prédio diz respeito às áreas do imóvel.
Nos termos do artigo 28.º do Código do Registo Predial, impõe-se, como regra geral, a harmonização entre a área do prédio constante da descrição predial e a constante da inscrição matricial.
O n.º 3 do mesmo artigo determina ainda que, nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo, deve existir conformidade tanto com a matriz como com a descrição predial, salvo se os interessados declararem expressamente que a divergência resulta de alteração superveniente ou de mero erro de medição.
Se estivermos perante a hipótese de a divergência de áreas resultar de simples erro de medição, importa verificar se a diferença de áreas entre a descrição predial e a matriz se encontra dentro dos limites percentuais definidos no artigo 28.º- A do mesmo diploma legal, em particular, na sua alínea c), que estabelece o limite de 10% para os prédios urbanos ou terrenos para construção.
Ou seja, caso a divergência não exceda os limites percentuais legalmente fixados, a atualização da descrição predial pode ser promovida com base em declaração expressa do proprietário, esclarecendo que a divergência resulta de simples erro de medição, desde que não tenha previamente utilizado esta faculdade.
Por outro lado, se a divergência ultrapassar os limites percentuais previstos, a correção da descrição predial deverá obedecer aos requisitos adicionais estabelecidos nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 28.º-C, nomeadamente quanto à necessidade de apresentação de documentação complementar que comprove a área efetiva do prédio. Nestes casos, será necessário observar uma série de procedimentos, consoante o caso concreto, para atualização dos dados do prédio (entre os quais a entrega do Modelo I de IMI devidamente preenchido, junto com os seus anexos, quando seja necessário; eventual levantamento topográfico atual realizado ao prédio, e demais documentos instrutórios que sejam solicitados pela Repartição de Finanças).
Outros documentos relevantes à 'due diligence'

Atendendo às especificidades do imóvel em apreço, além da certidão do registo predial e da caderneta predial urbana, torna-se imprescindível proceder à recolha e análise de um conjunto de documentos que permitirão aferir se o prédio se encontra legal, de forma a garantir a segurança jurídica de qualquer ato de transmissão ou regularização:
- Licença de utilização (ou Resposta à comunicação, para utilização após operação urbanística sujeita a controlo prévio): documento emitido pela Câmara Municipal onde o prédio de localiza, que define qual o tipo de utilização permitido ao prédio (fins habitacionais ou para serviços, no caso de lojas; escritórios; etc.). Até à entrada em vigor do Simplex Urbanístico, era obrigatória nos casos de imóveis edificados após 7 de agosto de 1951. Com a aprovação do denominado “Pacote Mais Habitação”, em 2023, e, posteriormente, com a entrada em vigor do chamado “Simplex Urbanístico”, em 2024, foi introduzida uma das alterações mais significativas ao regime jurídico urbanístico dos últimos anos, nomeadamente a eliminação da obrigatoriedade de apresentação da licença de utilização no âmbito da transmissão de imóveis. Todavia, a generalidade das instituições bancárias mantém reservas quanto à ausência deste documento, considerando que tal omissão acarreta riscos jurídicos e financeiros relevantes, não apenas para os adquirentes, mas também para os próprios financiadores. Na prática, vários bancos a operar em Portugal continuam a recusar a concessão de crédito habitação para imóveis cuja situação urbanística não se encontre devidamente titulada, exigindo, para efeitos de aprovação de financiamento, a apresentação da licença de utilização ou, em alternativa, documento idóneo que comprove a conformidade urbanística do imóvel, designadamente, a Resposta à comunicação, para utilização após operação urbanística sujeita a controlo prévio.
- Ficha Técnica de Habitação (FTH): documento descritivo das características técnicas e funcionais do prédio urbano destinado a fins habitacionais, cuja emissão e apreciação têm lugar no momento da conclusão das obras de construção, ampliação ou reabilitação urbana. Compete ao promotor imobiliário – e não à entidade construtora, quando se trate de pessoas jurídicas distintas – a elaboração da FTH relativa ao imóvel a transmitir, sendo da sua inteira responsabilidade, bem como do técnico responsável pela execução da obra, a veracidade e conformidade das informações constantes da FTH com a realidade da construção efetivamente realizada. De forma semelhante ao que aconteceu com a Licença de Utilização, outra das medidas que entrou em vigor com o “Simplex Urbanístico” foi a eliminação da obrigação de exibir a FTH no momento da celebração do contrato de compra e venda do imóvel. Contudo, a banca contínua a exigir este documento para a aprovação do financiamento. Até à entrada em vigor do “Simplex Urbanístico”, a Ficha Técnica de Habitação era exigida quando a licença de utilização tinha sido emitida posteriormente a 30 de março de 2004;
- Certidão de infraestruturas, nos casos em que exista Alvará de Loteamento registado desde 1992, sem prestação de caução, e tratando-se de primeira transmissão;
- Certificado Energético: documento emitido pela Agência Nacional de Energia, que indica a eficácia energética da propriedade;
- Certidão Toponímica, quando aplicável, para verificação da morada oficial e respetiva correspondência com a realidade física do imóvel;
- Outros documentos, como Alvarás de Construção; Autorizações ambientais; Planta do Imóvel, etc., quando aplicável.
A análise conjunta destes elementos é determinante para identificar eventuais inconformidades, omissões ou riscos jurídicos associados ao imóvel, sendo recomendável que a sua apreciação seja feita por um profissional habilitado, nomeadamente advogado com experiência na área do Direito Imobiliário.
Conclusões
A aferição da situação jurídica de um imóvel não se esgota na simples análise documental. Com efeito, é apenas mediante a conjugação da documentação existente com a verificação material e objetiva das construções existentes no local, que se poderá determinar, com rigor, quais as edificações legalmente tituladas e quais as que se encontram à margem do ordenamento jurídico urbanístico.
Este exercício de análise técnico-jurídica prévia revela-se essencial para a tomada de decisões conscientes quanto à viabilidade da pretensão do proprietário ou interessado, permitindo identificar eventuais desconformidades, e avaliar, em concreto, a possibilidade de submissão de projeto(s) de legalização.
A decisão de avançar com um procedimento de regularização urbanística deverá ser precedida de uma ponderação criteriosa dos custos associados, da morosidade processual e da efetiva vantagem jurídica e patrimonial que daí poderá advir. Por outro lado, nos casos em que se conclua pela impossibilidade de legalização nas circunstâncias existentes, ou pela manifesta desvantagem do ponto de vista custo-benefício, poderá não restar alternativa senão proceder à demolição, total ou parcial, das construções não conformes, como única via para viabilizar futuras transações sobre o imóvel, ou mesmo para evitar multas e/ou contraordenações por consequência de inspeções ao imóvel.
A atuação prudente e informada nesta fase é determinante para salvaguardar os interesses patrimoniais do proprietário e o seu desgaste emocional e evitar litígios ou sanções administrativas no futuro.
*Raquel Vicente da Cunha, Advogada Associada do Departamento de Direito Imobiliário
Guia para saber se imóvel está dentro da lei
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